terça-feira, 14 de junho de 2011

Meu caso com Amílcar Lobo

Preciso contar aqui - e só aqui tenho coragem - um fato que me encheu de orgulho há alguns dias. Eu estava ouvindo a Rádio Senado e rolou uma entrevista com o jornalista e escritor Jason T'ércio sobre o livro de sua autoria "Segredo de Estado" (Objetiva), que reconstitui o caso Rubens Paiva.
Para quem não conhece a história, Paiva - pai do escritor Marcelo Rubens Paiva - era deputado quando foi levado de sua casa no Rio por agentes do serviço secreto do governo militar em 1971. Nunca mais voltou e durante anos a fio o governo sustentou a farsa de que ele teria fugido da prisão e provavelmente morrido numa  troca de tiros com forças da segurança.
O motivo do meu orgulho? Numa certa altura da entrevista com o autor do livro, a jornalista perguntou sobre um personagem que apareceu na mídia em 1986 dizendo ter visto Rubens Paiva muito machucado no quartel da PE na Tijuca. Esse cara chamava-se Amílcar Lobo e era médico do Exército na época.
Na hora gelei. Afinal esse personagem veio à tona por minhas mãos na época em que eu trabalhava na sucursal da revista Veja (já citei esse episódio em outro post do blog). Sei lá, me deu um medo de que esse jornalista que investigou o caso a fundo desmentisse a versão de Amílcar Lobo e, consequentemente, meu trabalho.
Para o meu alívio, ele não só confirmou a versão de Amílcar, como disse que seu depoimento serviu de base para a abertura de um inquérito militar e acabou contribuindo para derrubar a versão do Exército para a morte de Rubens Paiva. Eu já  lido ou assistido a  um depoimento do Marcelo Rubens Paiva mencionando positivamente o depoimento de Amílcar Lobo, mas mesmo assim fiquei insegura quando ouvi a entrevista na Rádio Senado.
Faz 25 anos que tudo isso aconteceu. Quanto tempo se passou desde então! Como minha vida mudou! Mas eu me lembro ainda com muita emoção da noite em que atendi por acaso um telefonema no final de uma tarde de sexta-feira - aquele momento em que ninguém em sã consciência se anima a pegar o telefone numa sucursal de Veja.
Do outro lado, tinha um homem hesitante e que só precisava de se sentir amparado para contar o que considerava o grande segredo de sua vida: ele tinha visto e trocado algumas palavras com um homem espancado no quartel da PE e no dia seguinte soube que essa pessoa tinha morrido. Era uma testemunha ocular de um fato que a repressão insistia em negar.
Tive sorte em esbarrar em Amílcar Lobo, mas tive também sensibilidade, paciência e sangue frio para lidar com uma pessoa que despertava aversão (ele era acusado por outro presos políticos de não ser apenas uma testemunha da tortura) e detinha informações valiosas. Até onde sei Amílcar morreu sem conseguir reconquistar a confiança de seus pares (ele era psiquiatra e trabalhava como psicanalista no Rio), mas decisivamente ajudou a desvendar um pouco a verdade sobre os porões da ditadura.

5 comentários:

Pedro Du Bois disse...

E dizer que ainda agora, ditas autoridades de sempre e sempre, são capazes de proporem o segredo "eterno", apenas para não se revelarem do que todos sabem: lobos em peles de cordeiros. Seu relato é valioso. Abraços, Pedro.

Osvaldo Tancredo disse...

Confesso que meu medo me fez fechar os olhos para coisas assim. Conheci personagens importantes deste aparato.
Tudo isso me fez refugiar-me nas escrituras vermelhas. E logo depois, escandalizado, experimentei o outro lado...
Conclusão: tudo igual.
Fosso de interesses, mantidos sob violências visíveis ou não.
...e o paranóide olha pros lados e publica

Marcelo Bastos Moreira da Silva disse...

Martha, esse HOMEM era meu pai, morreu sem conseguir a dignidade que ele tanto esperava, o CRM-RJ cassou os direitos dele, morreu pobre e sem poder exercer sua profissão. Até hoje lutamos para receber do CRM-RJ os direitos que foram negados a ele, já ganhamos em todas as instâncias e nada se resolveu. Muito obrigado pelas palavras sobre meu pai.

Martha disse...

Puxa, Marcelo, por pouco não vi seu comentário. Caramba, que coincidência vc ter lido meu blog!
Lamento que seu pai não tenha conseguido recuperar seus direitos. Sinto que no fundo ele queria era isso: ser reconhecido por seus colegas de profissão, exercer a profissão que escolheu e sobreviver sem sustos.

Anônimo disse...

Tive em 1970 contato com o Dr. Amilcar.
Pobre , sem recursos e com minha mãe doente mentalmente, o Dr. Amilcar se prontificou de tratá-la gratuitamente em um clínica em Sta . Tereza. Foram inúmeras sessões até conseguir recuperá-la. Não sei a respeito se era ou não torturador. Sei apenas que para comigo mostrou uma alma sensível, disposta a ajudar e com bom coração. Até hoje sou grato pelo que fez por nós.