quarta-feira, 24 de março de 2021

Cãofinados

Em tempos de pandemia, sob o pior governo que poderíamos ter, há que se buscar motivos de alegria, como pura forma de sobrevivência mental. Sendo assim, no último dia 14, após um ensaio do Coro Experimental inspirador, na chácara da Igreja Mestre Irineu, em Várzea Grande, o "poder da floresta" me levou a tomar uma decisão arriscada: adotar um cachorro. 

Não pensei muito, não racionalizei, simplesmente mandei uma mensagem para Ângela Piran, idealizadora e uma das responsáveis pelo Abrigo Melhor Amigo, e a consultei sobre a minha vontade de ter um animal de estimação, mesmo morando em apartamento. É claro que ela só me deu boas razões para acreditar que poderia dar certo. Perguntou se eu já tinha uma ideia sobre qual animal adotar e mencionei um cãozinho que vi numa das postagens do Abrigo no Instagram. Seu nome era Tuco. Ela adorou minha sugestão e disse que ele era o último filhote de uma cria. Ou seja, seus irmãos haviam sido escolhidos e ele não. Por quê? Não sei, já que me pareceu lindo na foto. 

Ângela ficou de trazê-lo no dia seguinte, logo após o almoço. Achei que teríamos uma longa conversa com informações, etc, mas a entrega foi rápida, na calçada, já que ela tinha outro cão no carro para levar do outro lado da cidade. 

Voltei para casa com um filhote no colo e meio sem saber o que fazer.  A primeira tarde foi de puro estranhamento e ele permaneceu como um anjo deitado na passagem entre a cozinha e a sala. Saí para comprar ração e voltei com cama, brinquedos, xampu, tapetinhos, etc. Ah, tomei a decisão de mudar seu nome e, sem motivo aparente, escolhi Juca, que lhe caiu como luva. 

No dia seguinte, Juca já se sentia dono do apê, circulando por todos os cômodos. Escolheu o quarto vazio das minhas filhas (e de hóspedes) como banheiro, apesar dos tapetinhos espalhados pela área de serviço. 

No final da tarde de quinta-feira, confesso que me bateu um desespero: eu não conseguia trabalhar (estou escrevendo um livro),  já que precisava ficar de olho nele (sempre em busca de algum canto novo para morder), meu apartamento virou um campo minado de xixi e cocô, e Juca parecia adorar especialmente a brincadeira de me morder.  

Por sorte, consegui falar com uma amiga "cachorreira" (Ana Helena), que me consolou e me deu algumas dicas fantásticas, além de ter me indicado o caminho dos vídeos de pessoas especializadas em ensinar aos incautos, como eu, a adestrar seus filhotes. 

Aos poucos, fui me instruindo, me acalmando e hoje sei que não abriria mão de Juca. Minha casa continua um campo minado (é difícil ensinar o filhote a usar o tapetinho!), consegui voltar a trabalhar e aprendi que de vez em quando preciso deixar o texto no meio de um parágrafo para lhe dar atenção.  Entre outras coisas, aprendi que não devo liberar todos os cômodos da casa para o filhote e fechei a porta do quarto de hóspedes e do "escritório". Com isso, ele ainda não decidiu qual é o melhor lugar para fazer suas necessidades: a sala ou a área de serviço. Acredito que estamos progredindo nesse quesito: hoje ele fez "parte" do xixi no tapetinho.

Suas brincadeiras preferidas são "cabo de guerra", que fazemos com uma antiga faixa de uma roupa de malha que usava quando vim para Mato Grosso (no final dos anos 80), bola, "disco voador" (uma adaptação feita com uma tampa de plástico) e, naturalmente, me morder. Mas aprendi que não posso deixar que se acostume a me morder em hipótese alguma e devo sempre substituir meus braços e canelas por algum brinquedo. Nem sempre funciona e, quando isso ocorre, o jeito é ficar braba e dizer em alto e bom som: "Não", "Shi....." ou algo no gênero. Acaba funcionando, embora minhas mãos, braços e pernas já tenham algumas marcas de seus dentinhos afiados.

No sábado, tive que sair para o ensaio do Coro na chácara e quase morri de preocupação. Deixei-o "preso" na área e na cozinha, devidamente alimentado, mas com água, sua caminha e brinquedos. Deu certo. Encontrei-o tão quieto que achei que tinha sido abduzido.

 No domingo, aconteceu a mesma coisa e ontem fui a uma consulta médica sem dor na consciência.  Juca tem seus momentos de surto e eu o entendo porque deve ser meio chato ficar preso num apartamento. Estou louca para passear com ele, porém a dra Denize, a veterinária, disse que isso só poderá acontecer após o dia 5 de abril quando ele terá tomado a quarta dose da vacina.

Em suma, estamos confinados, ele e eu, embora eu dê minhas escapulidas para ir ao mercado, ao médico e aos ensaios do Coro Experimental.  Estamos nos conhecendo e desenvolvendo uma amizade, que espero ser longa, duradoura e prazerosa para nós dois. Se você me perguntar hoje se estou arrependida, direi: não!  Preciso dizer que Juca é acumulador (é bem possessivo em relação a seus "brinquedos") e já está destruindo o seu segundo "ossinho" fake.