domingo, 28 de abril de 2013

Crueldade sem fim

Juro que não queria falar de violência, mas não consigo me manter impassível diante de tantos casos bárbaros ocorridos nos últimos dias.
Há algumas semanas, minha depiladora me contou o caso de um conhecido seu que teria sido espancado por ladrões em Cuiabá (ou Várzea Grande, já que as duas cidades são contíguas e quase se igualam em matéria de insegurança) porque sua TV era de um modelo antigo. Engoli em seco e pensei "Ainda bem que moro em apartamento e num prédio que até agora fez jus ao nome 'Porto Seguro'", já que minha TV já tem mais de cinco anos e não é dos modelos mais modernos.
Esta semana, um caso conseguiu chocar a opinião pública: o assassinato cruel da dentista de São Bernardo do Campo, queimada viva por seus algozes por só ter R$ 30 em sua conta bancária.
São comuns relatos de vítimas espancandas por não terem dinheiro suficiente para dar os ladrões.
Isso é o cúmulo dos cúmulos. Não basta as pessoas não terem segurança em suas casas, empresas e consultórios, elas precisam ter bens de última geração e dinheiro suficiente para saciar a sede de ladrões inescrupulosos e totalmente destituídios de qualquer senso de humanidade.
Antes que alguém me acuse de estar trocando de lado, ou seja, torcendo pelo linchamento desses ladrões, pena de morte, etc, preciso fazer alguns questionamentos.
Que tipo de sociedade é a nossa que está criando indivíduos dessa espécie? Defendo sim leis mais duras, prisões que não sejam escolas de crime e de mais violência. Sou absolutamente contra essa história de prender, dar um pau, jogar os caras em cadeias sem a menor condição de higiene, verdadeiras pocilgas e fábricas de doenças e bandidos ainda mais inescrupulosos, e logo depois devolvê-los à sociedade (por progressão de pena, absolvição por falta de provas, pagamento de fiança, etc) ainda piores.
No meu mundo ideal, ladrões, bandidos de origem pobre, classe média ou alta (sejam eles do tipo que pegam em armas ou do tipo que não precisa "sujar as mãos" para roubar) deveriam ser presos, condenados e cumpririam penas de acordo com a gravidade de seus crimes lado a lado. .
Atropoleu, matou usando seu carro ou motocicleta como arma vai ter que trabalhar numa clínica ou hospital para vítimas de acidentes de trânsito (um exemplo). É drogado, viciado em drogas tem que ir para uma prisão especial, onde receba tratamento adequado.
Políticos e empresários corruptos teriam que devolver imediatamente os recursos roubados e/ou desviados. Para isso, é claro precisaríamos de uma Justiça ágil e não corrupta.
As cadeias não teriam regalias, mas seriam limpas (os próprios detentos poderiam fazer a limpeza), teriam opção de estudo e trabalho para todos.
A polícia seria bem treinada, remunerada e não seria tão corrupta e violenta.
É claro que sempre haverá bandidos, policiais corruptos e violentos, mas isso não pode ser a regra.
Acredito que haja policiais e outros agentes responsáveis pela segurança pública se beneficiando de alguma forma de tanta criminalidade e dos frutos de assaltos e roubos a residências e de veículos.
O mundo real, como já provaram tantos livros e filmes ( de "Lúcio Flávio, o passageiro da agonia" a "Tropa de Elite 2: O inimigo agora é outro") é complexo e difícil de entender.  Não vejo solução à vista e não posso deixar de lamentar profundamente pela dentista Cinthya, que estava apenas trabalhando em seu consultório até morrer de uma forma tão cruel. 

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Gracias a la Vida - o livro

Ontem (domingo) li uma notícia sobre o livro "Gracias a la vida", no site do jornal Estado de S.Paulo (www.estadao.com.br), que mexeu muito comigo e foi tema de um post, publicado em seguida.
Acabei de constatar que ele sumiu do meu blog.
Não estou paranoica achando que alguém excluiu meu post, mas o fato é estranho e nunca tinha me acontecido.
Vou tentar recuperar o que eu escrevi, mas não sei se terei sucesso.
O livro é autobiografia do ex-preso político Cid Benjamin, fundador do PT e hoje afastado do partido que ajudou a afundar.
Segundo a matéria do Estadão, o livro vai desagradar a todo mundo e uma das razões para isso é o fato de o autor dar uma visão diferente sobre os homens que o torturaram barbaramente. De alguma forma, ele os humaniza, ao dizer que "eram pessoas normais", o que torna ainda mais grave a prática da tortura.
Outro fato que deverá provocar polêmica, na opinião de Cid Benjamin, é sua opinião em relação ao médico Amílcar Lobo, que já citei várias vezes neste blog por causa da entrevista que fiz com ele para a revista Veja nos anos 1980, em que denunciava ter visto o deputado Rubens Paiva muito machucado após sessões de espancamento no tristemente famoso quartel da Barão de Mesquita, na Tijuca (RJ). Lobo foi o primeiro militar ligado às forças da repressão a contestar a versão fantasiosa do Exército de que Paiva teria fugido e por isso estaria desaparecido.
Embora tenha sido um dos presos políticos a denunciar Amílcar Lobo em seu consultório de psicanalista (já nos anos 80), Benjamin diz no livro que a atitude da esquerda em relação ao médico do Exército (que conheceu durante sessões de tortura na famosa Casa de Petrópolis) foi equivocada.  Na opinião do autor, teria sido mais humano e produtivo ouvi-lo, ampará-lo e buscar mais informações com Lobo sobre os porões da ditadura.
Achei surpreendente essa atitude de alguém que foi torturado e teve um corte na cabeça suturado por Lobo sem anestesia, entre outros procedimentos nada éticos do dr Carneiro (como Lobo era chamado por seus colegas de farda) do ponto de vista médico. Na minha ingenuidade e desejo de acreditar no ser humano, eu acreditei no desejo de Lobo de obter a remissão de seus atos nos porões da ditadura e a aceitação da sociedade (sobretudo a psicanalítica) ao se abrir para um órgão de comunicação e contar uma verdade que teimava em permanecer escondida.
Infelizmente, Lobo morreu sem obter sua redenção e sempre foi apontado por todos como "um lobo em pele de cordeiro".
Não li o livro de Cid, mas fiquei morrendo de vontade de lê-lo.

sábado, 13 de abril de 2013

Chatô



Que baixinho arretado!

Esta semana acabei de ler "Chatô", de Fernando Morais. Li com quase 20 anos de atraso (a minha edição do livro, da Companhia das Letras, é de 1994) ...
É engraçado isso. Tem livros que são meio datados e, quando você lê fora da época, parece que está cometendo uma heresia.
Eu ganhei "Chatô", um calhamaço de mais de 700 páginas, de minha irmã Junilza. Acho que tentei ler o livro pelo menos duas vezes, mas não conseguia passar das primeiras páginas.
Quando dei aulas no curso de Jornalismo da UFMT, em 2004/05, meus alunos comentavam sobre o livro e eu ficava até com vergonha de dizer que não tinha conseguido ler.
Este ano, do nada, resolvi tentar mais uma vez e fui me envolvendo com o livro. Tem umas passagens que são um pouco confusas, gente demais, nomes demais. Eu acho que a história pessoal  de Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello (1892-1968) - tudo que envolve a família, filhos, mulheres - volta e meia entra na história mais pública (política, empresarial) de uma forma meio intempestiva.
Mas o livro é fantástico e leitura obrigatória para se conhecer - e se entender melhor - o panorama político, empresarial e jornalístico do Brasil no século XX.
Que personagem, esse Chatô! Embora não tenha simpatizado com ele - por seu autoritarismo e a forma extremamente egoísta que lidava com a família, os amigos e negócios (vide o episódio envolvendo sua filha Teresa e a mãe dela, que deixou Chatô para viver com outro homem) -, tenho que tirar meu chapéu para sua energia, seu empreendedorismo, sua coragem, a forma destemida como enfrentava situações que pareciam totalmente sem saída (como no episódio em que estava sendo exilado para o Japão).
É impressionante como ele conseguiu criar, do nada, um império das comunicações (os Diários Associados) e inventar campanhas mirabolantes. Impressionantes também a  história da criação do Masp e tantas outras narradas ao longo do livro.
Confesso que fiquei triste quando cheguei à última página, mesmo que com uma sensação de vitória por ter conseguido - desta vez- ir até o fim.
Ainda estou meio ressaqueada, sem conseguir iniciar outra leitura, como fico geralmente quando termino de ler um livro que me envolveu muito.
Talvez o que mais tenha me impressionado no livro foi o fato de Chatô jamais ter deixado de escrever. Mesmo doente e com os movimentos dos dedos totalmente limitados, ele deu um jeito de continuar escrevendo seus artigos. O estilo era muito louco - exagerado, altamente agressivo, abusivo -, fiel ao estilo da época. Mas é impressionante o seu talento para a comunicação, a necessidade que ele tinha de expressar suas ideias, dar vazão a seus projetos por mais loucos e exóticos que fossem.
Quero ler outras biografias agora.
Demorei muito para ler "Chatô", mas valeu a pena.

domingo, 7 de abril de 2013

Dia do jornalista: será que há algo a comemorar?

Hoje é dia do jornalista e o Facebook está cheio de mensagens alusivas à data.
Sempre quis ser jornalista, ou melhor, descobri que queria ser jornalista quando tinha uns 10/11 anos e sonhava ultrapassar os "muros" do meu apartamento, onde morava confortavelmente protegida por minha mãe e minhas irmãs.
Como já disse aqui, a revista "Realidade" teve uma grande participação nesse desejo e me influenciou muito, assim como aconteceu com outras pessoas da minha geração.
Era isso que eu queria fazer, pensava: usar minha profissão para visitar locais, como um pronto-socorro ou uma delegacia de polícia ou ainda um front de guerra, e conhecer pessoas que estavam totalmente fora do meu círculo.
Quando comecei a trabalhar, como repórter de Geral, consegui realizar um pouco desse sonho. Quando ainda era estagiária do jornal "Tribuna da Imprensa", sem ganhar um tostão, nem vale transporte, visitei os subterrâneos da obra do metrô no Rio de Janeiro e entrei sem autorização oficial num hospital de leprosos, o Hospital Colônia de Curupaiti (acho que era esse o nome) em Jacarepaguá. Cobri passeatas, protestos de estudantes onde a polícia da ditadura militar atirava e não hesitava em quebrar a cabeça de deputados corajosos e "de esquerda", que se colocavam ao lado dos estudantes que tentavam defender a velha sede da UNE na Praia do Flamengo.
Acho que foi mais ou menos nessa época que descobri que eu não era tão corajosa, mas isso não me impediu que fosse crescendo na profissão e até realizasse grandes matérias, como aquela (que já citei aqui) com o psiquiatra Amílcar Lobo, primeira testemunha do lado de lá a denunciar a farsa em torno da morte do deputado Rubens Paiva.
Mas aí veio a vontade de formar uma família, a vinda para Mato Grosso, o nascimento das filhas, etc, etc.
Em 2003, após a separação, voltei a ter a oportunidade de ser repórter novamente, na revista "Produtor Rural", editada pelo jornalista Sérgio de Oliveira, da minha geração. Novamente o instinto de repórter aflorou: numa matéria sobre transporte escolar rural, percebi que não bastaria entrevistar os representantes das secretarias de Educação do Estado e dos municípios. Por que não sentir na pele as agruras de quem depende diariamente do transporte escolar no campo e sai de casa no meio da madrugada para chegar à escola no início da manhã? Foi uma linda reportagem.
A revista "Produtor Rural" me deu a chance de conhecer muitos municípios de Mato Grosso, conversar com muita gente, enfrentar estradas de chão, compartilhar refeições com pessoas quase desconhecidas, viver outras realidades e isso me fez ver o mundo rural com outros olhos. Foi uma experiência muito bacana e hoje reconheço que tenho muito a agradecer ao Sérgio por essa oportunidade de ouro.
Nesse meio tempo, dei aulas de jornalismo e acredito ter influenciado positivamente alguns jovens jornalistas.
A revista acabou e até tentei continuar trabalhando como repórter, mas ficou difícil pagar as contas. Acabei me agarrando a melhor oportunidade profissional que me apareceu: a assessoria de imprensa da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (Ampa).
Tento me convencer de que já estou meio "velhinha" e, portanto, está na hora de buscar um trampo mais tranquilo em que possa permanecer no conforto do ar condicionado, sem enfrentar o rigor das estradas e outros perengues. Mas, no fundo, fico meio triste por não poder contar histórias diferentes e conhecer pessoas diferentes através de uma profissão que me obriga a superar minha timidez. Sempre que posso invento um jeito de sair do escritório.
Adoro contar histórias e fico pensando como conciliar a vida prática (a necessidade de ganhar dinheiro para pagar as contas) com um trabalho que me dê mais tesão e tenha mais a ver com o meu sonho de menina.
Ainda não descobri essa resposta.
A ideia inicial aqui era homenagear o dia do jornalista - essa profissão tão estranha e meio parecida com a do professor: todo mundo elogia, diz que é muito importante, mas que é tão desvalorizada financeiramente.
Hoje li um post dizendo que dois dos três jornais diários de Cuiabá estão muito mal das pernas. Acredito que o comentário se referia à Folha do Estado e Diário de Cuiabá. Passei pelos dois nos últimos anos e sinceramente não entendo como as pessoas conseguem trabalhar em lugares onde os salários são pagos com tanto atraso. Em um deles, o diretor paga quando quer e a quem quer, já que o dinheiro não dá para todos.
Participei de uma mesa redonda sobre jornalismo científico na UFMT na sexta-feira e alguns dos jornalistas presentes (todos veteranos como eu) reclamaram da baixa qualidade do jornalismo praticado em Mato Grosso. As matérias são em sua maioria superficiais, mal redigidas, mal apuradas. As pessoas na mesa disseram que falta ir para a rua, falar com as pessoas, olhar nos olhos dela.
Sinto que está se fazendo muito um jornalismo de assessoria, ou seja, como os jornais não querem investir e mantêm redações enxutas, grande parte do espaço é ocupada por matérias de assessoria (inclusive as minhas) "vendidas" ao leitor como matérias da Redação, em muitos casos.
As notícias acabam chegando às pessoas através das redes sociais, dos blogs, da TV, mas quase sempre de uma forma fragmentada, sensacionalista e não raro meio inconsequente.
Por isso, infelizmente, não compartilho dessa onda de parabéns pelo dia dos jornalistas. Acho que a data deveria servir para um debate sério sobre os rumos que nossa profissão está tomando.
Mas pelo menos esse post serviu para que eu me reconcilie com a profissão que escolhi (ou que me escolheu).