quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Carnaval em Vila Bela da Santíssima Trindade


Meu carnaval foi muito bom e diferentão. Na madrugada de sábado (às 4h) eu estava acordada e, antes das 5h, minha carona passou (Amarília, que eu nem conhecia, teve a delicadeza de me pegar em casa). Seguimos rumo ao posto da PRF no Trevo do Lagarto para nos encontrar com os demais companheiros do grupo Amigos da Trilha para a aventura rumo à Vila Bela da Santíssima Trindade (a 520 km de Cuiabá). 
Desde que voltei a morar em Mato Grosso, há 30 anos, sou louca por conhecer a primeira capital mato-grossense. Situada às margens do rio Guaporé, na divisa com a Bolívia, Vila Bela foi fundada em 19 de março de 1752 com esse lindo nome e foi uma cidade próspera até a capital da então Capitania de Mato Grosso ser transferida para Cuiabá, em 1835. Ficaram para trás os escravos, cujos descendentes são até hoje responsáveis pela fama do lugar, principalmente pela celebração da festa do Congo em julho. 
Mas Vila Bela também é famosa por seus atrativos naturais situados no Parque Estadual da Serra de Ricardo Franco, pivô de sucessivos escândalos. Essa história vamos deixar para outro momento.
Chegamos à Vila Bela por volta de 13h e seguimos direto para nosso primeiro passeio, realizado sob chuva fina. No percurso até a primeira cachoeira, conhecida como Cachoeirinha, tivemos uma ideia dos desafios que nos esperavam, com travessias de córregos cheios de pedras escorregadias. 
Primeira lição da guia Luzia Abich: nunca se jogar e dar um passo sem sentir que está pisando em "pedra firme". Só que na pressa nem sempre a teoria funciona na prática e as mãos dos rapazes do grupo fizeram toda diferença. Feminismo nessa hora pra quê?
A gente se banhou nas águas geladas da Cachoeirinha e como desejei um pouco de sol naquele momento! 



Após uma meia hora de descanso, seguimos para a Cachoeira dos Namorados, mais bonita e talvez até um pouco mais gelada. Nesse dia, o destaque ficou para uma integrante do grupo, dona Janete, de 68 anos, que superou bravamente os obstáculos com a ajuda do filho Fernando, dos guias Luzia e Heitor, e de outros integrantes do grupo.






O jantar aconteceu no restaurante que funciona junto ao Hotel Guaporé. A comida estava uma delícia e o atendimento da família, cujo nome infelizmente não sei, foi sempre nota 10. Depois de uma noite de sono razoavelmente reparador, o domingo foi de nossa grande aventura: a subida até a Cachoeira do Jatobá, considerada a quarta maior do Brasil e a maior de Mato Grosso.
Logo no início do percurso, fomos brindados com a travessia do rio Jatobá, que foi difícil, mas superada facilmente com a ajuda da turma mais valente. E começamos a caminhada, que foi suave até iniciarmos a subida propriamente dita. 
O meu primeiro pensamento foi: "Estou com um pouquinho de dor de cabeça. Devia ter trazido minha Neosaldina". Esse pensamento me martelou por um tempo até que foi substituído por outro: "Não trouxe a Neosaldina e agora o jeito é encarar. Não vou ter dor de cabeça e vou conseguir chegar ao topo". Nesse percurso, cujo tempo de duração desconheço (estava sem relógio e sem celular), não consegui pensar em mais nada, a não ser em me agarrar com uma mão na corda e guardar todo fôlego possível para aguentar a subida, me lembrando de cada momento de minhas aulas de Yôga. "Respire sempre pelo nariz!" - diziam meus professores. Quando consegui chegar num ponto que não era tão íngreme, foi um alívio. De repente, já estava até conversando com meus companheiros de trilha. 



Antes de alcançarmos a visão maravilhosa da Cachoeira do Jatobá, avistamos a Cachoeira dos Macacos, um pouco menor, mas muito bonita também. Quando chegamos ao ponto máximo da subida, paramos para lanches, fotos e fomos surpreendidos por uma névoa, que não tirou a beleza da vista. 
Seguimos adiante até um local onde pudemos nos banhar nas águas geladas do Córrego Arvaíde, que forma a Cachoeira do Jatobá. Foi delicioso! 



Não demorou para chegar a hora do retorno e a lembrança de que a descida também seria árdua e difícil para todos, principalmente para quem não tem um joelho tão 100% (rompi o ligamento cruzado do direito há décadas). 
Por sorte, no caminho, consegui um cajado e aí me senti muito melhor, com o apoio da terceira perna. Tudo correu maravilhosamente bem a não ser por um momento em que me desentendi com o cajado, que pulou da minha mão, ferindo meu rosto, que chegou a sangrar. Segunda lição da viagem: cuidado com a ponta de cima de seu cajado! Eu me senti como o personagem de Mickey Mouse como o Aprendiz de Feiticeiro no desenho animado "Fantasia".
Uma vez tendo chegado à base do morro, o grupo resolveu conhecer um pequeno canyon e também a Cachoeira do Degrau, que foi simplesmente divina. Foi um momento de relax profundo e muita alegria para todos. 



Ainda bem! Acho que isso nos preparou para o que veio em seguida. Quando finalmente alcançamos o rio Jatobá - aquele onde tudo começou -, ele tinha se transformado num rio caudaloso e ruidoso, impossível de atravessar.  



A gente via as pessoas do outro lado e elas também nos viam, o que era um consolo, mas, aparentemente, não havia muito a fazer, a não ser aguardar que as águas baixassem. Tínhamos ainda um pouco de lanche, água (a minha tinha acabado, mas outros colegas tinham) e a certeza de que ainda teríamos algumas horas de luz. 
Nesse meio tempo, acompanhamos aflitíssimos (eu mesma não consegui ficar olhando até o desenlace final) o resgate de três rapazes surpreendidos pela tromba d'água num paredão. Foi tenso.



Depois de algum tempo, o guia de outro grupo de turistas, com a ajuda de moradores locais e de nossos próprios guias, conseguiu encontrar um local onde o rio não parecia tão raivoso. Foi iniciada então a operação resgate com a ajuda de cordas. 
Até pensei em invocar meu direito de cidadã acima de 60 anos para atravessar logo, mas o medo de ser uma das cobaias me fez afastar essa possibilidade (brincadeirinha, jamais faria isso naquela circunstância).
A operação-resgate demorou cerca de duas horas porque havia muita gente a ser resgatada (mais de 50) e nosso grupo ficou por último. O bom disso é que, aos poucos, a tecnologia utilizada pelos nossos anjos da guarda foi se aperfeiçoando e a travessia em si foi "quase gostosa". Ninguém caiu e nossas bolsas e mochilas atravessaram o rio sem se molharem. É claro que nós nos molhamos, mas isso era apenas um detalhe naquela altura do campeonato.



Chegamos à Vila Bela por volta de 20h e, após um breve banho (num filete de água que saía do chuveiro), fui almoçar/jantar no mesmo restaurante, onde bebemos cerveja e rimos muito das aventuras do dia. 
Meu relato está quase chegando ao fim. Se você leu até aqui, tenha só mais um pouquinho de paciência. 
O terceiro dia previa o passeio ao canyon que se forma abaixo da Cachoeira do Jabotá, mas diante dos riscos de uma nova tromba d'água (o tempo permanecia cinzento e ameaçador), nossa guia propôs um percurso mais curto. Pode ter sido frustrante para alguns integrantes do grupo, mas para mim, depois da experiência da véspera, a ideia de ser surpreendida pela subida das águas era muito assustadora. Confesso que fiquei tensa quase o tempo todo, já que boa parte da trilha foi feita sobre pedras, cruzando o rio várias vezes. 
Nesse dia, não consegui acompanhar o ritmo do grupo e acabei ficando um pouco para trás junto com meu "anjo da guarda", Heitor. 




No caminho sobre as pedras, o cajado não era de grande ajuda. Mas, de qualquer maneira, fiz o percurso no meu ritmo e me banhei num poço lindo que encontramos pelo caminho e também nas águas que ficam na entrada do canyon que não atravessamos por cautela. 





Retornamos ao ponto de partida por volta de 13h e nos apressamos a ir à cidade almoçar, comprar Canjinjin (a deliciosa aguardente típica de Vila Bela) na casa de dona Gogoia e tirar algumas fotos nas célebres ruínas da catedral, cuja construção foi interrompida com a mudança da capital.





O passeio foi lindo, inesquecível; o grupo era maravilhoso e fiz ótimos amigos, mas confesso que fiquei triste de ver a cidade Vila  Bela. A situação das ruínas diz tudo: o local está coberto por fezes e penas de pombos, que dão bem a medida do abandono de um lugar que merecia maiores cuidados por parte das autoridades responsáveis em promover o turismo em nosso estado.
O abandono, que aconteceu há mais de 180 anos, persiste.

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

The Post - A Guerra Secreta


Confesso que estou com um friozinho na barriga por escrever sobre o filme "The Post - A Guerra Secreta". Sabe quando você se sente pequeninha diante de gigantes? Pois é assim que me sinto.
O filme reúne profissionais de peso do cinema norte-americano: o diretor é Steven Spielberg, Tom Hanks e Meryl Streep encabeçam o elenco primoroso e a história é totalmente baseada em fatos reais.
A história de "The Post ..." antecede o célebre caso Watergate. Infelizmente, boa parte dessas informações que influenciaram a vida da geração que está na casa dos 60 é desconhecida da maioria dos norte-americanos e dos brasileiros por tabela.
Pouca gente sabe que já se praticou jornalismo de excelente qualidade na terra de Donald Trump, onde outro presidente republicano (Richard Nixon) acabou enxovalhado (a pá de cal foi o caso Watergate). 
Tudo é bastante complexo para resumir em poucas linhas como convém aos tempos atuais, mas o importante é frisar como "The Post" é importante por mostrar a engrenagem por trás da emblemática Guerra do Vietnã, o quanto governantes (republicanos e democratas) esconderam a verdade em nome do establishment, da indústria bélica, da supremacia norte-americana no pós-guerra (nesse caso, a divisão mundial após a 2ª Guerra Mundial).
Personagens como Katherine Graham (Meryl Streep, indicada a seu centésimo Oscar) e Ben Bradlee (Tom Hanks), dona e editor do jornal The Washington Post, brilham em defesa do bom jornalismo (competiam com The New York Times, por leitores e investidores) e da importância de se levar a verdade aos leitores. O que está em jogo é um bem precioso para qualquer jornalista de respeito: a liberdade de imprensa.
Para quem é jornalista como eu - e sonhou um dia fazer esse bom jornalismo e até conseguiu fazer um pouco -, sobram nostalgia, lágrimas nos olhos e uma pergunta aflitiva: há esperança num mundo controlado pela indústria de armas, pelo capitalismo selvagem, onde um boçal como Donald Trump é eleito presidente da maior potência mundial?

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

A Forma da Água



Assisti a dois filmes incríveis nos últimos dias: "The Post - A Guerra Secreta" e "A Forma da Água", ambos concorrentes ao Oscar na categoria Melhor Filme.
Meu objetivo aqui não é dizer qual é o melhor. São propostas muito diferentes e deixo essa tarefa aos membros da Academia, embora admita uma ligeira torcida em favor do segundo. 
"A Forma da Água" é encantamento puro, apesar de ter eu ter ficado bem tensa em várias passagens. No final do filme, eu tremia! Não sei se de frio ou de nervoso. 
Hoje li uma matéria sobre uma acusação de plágio (na verdade, duas) ao diretor e co-roteirista, Guilhermo del Toro, o que me deixou com uma pulga atrás da orelha. 
De qualquer maneira o filme é fabuloso, como atestam várias críticas já publicadas. O desempenho dos atores, a história da moça muda que, desafiando todas as expectativas, bola um plano ousado para salvar a vida do homem-peixe por quem se apaixona - tudo é maravilhoso! 
A trilha sonora é deliciosa e se enquadra perfeitamente ao clima anos 60 do filme, cujo pano de fundo é a guerra fria entre EUA e URSS. Há também menções ao racismo descarado dos EUA da época. 
Porém, o mais incrível para mim é mostrar que pessoas comuns, até medrosas, podem ousar e transformar suas vidinhas sem maiores emoções, saindo assim do limbo onde são deixados os menos bonitos, deficientes, mais velhos (alijados do mercado de trabalho), enfim, aquelas pessoas que, aparentemente, servem apenas para as tarefas mais triviais, como limpar banheiros ou o sangue deixado pelos poderosos. 
Há um "diálogo' entre Giles (Richard Jenkins) e a "forma" que me tocou profundamente. Acostumado a ter como única companhia a amiga muda, ele abre seu coração com aquele ser estranho (e, às vezes, selvagem) que veio das profundezas das águas. 
As cenas de  Elisa  (Sally Hawkins) com a colega e amiga Dalila (Octavia Spencer) - a voz de  Elisa no laboratório onde ambas trabalham como auxiliares de limpeza - são deliciosas. A atriz Sally Hawkins dá um banho de interpretação em todas as cenas. Não é por acaso que tanto ela quanto Octavia e Jenkins são candidatos ao Oscar em suas respectivas categorias.
Confesso que sou totalmente ignorante em termos da filmografia de Guilhermo del Toro e já estou me coçando para assistir a outros filmes dele, como "O Labirinto do Fauno".
Ah, pesquisei sobre o ator por trás do homem-anfíbio que é o cerne do filme "A forma da água" e soube que o nome dele é Doug Jones - um norte-americano de 57 anos que emprestou seu corpo e olhar expressivos a outros personagens criados por Del Toro, inclusive o Fauno do filme citado.
E quanto a "The Post"? Fica para um próximo post.