sábado, 13 de fevereiro de 2021

Canto e danço que dara



Resenha é um gênero de texto caracterizado por transmitir a opinião de uma pessoa sobre um determinado conteúdo, que pode ser um livro, um filme, uma peça teatral ou um show. Em outras palavras, resenha não é resumo, ou mera descrição, ela tem um caráter opinativo. Mas também tem o desejo de compartilhar e é isso que me move ao resenhar a apresentação do músico Jefferson Neves, no espaço Garden Pub, na noite da última quinta-feira (11/02).

Há um ano, comentei aqui neste blog outra apresentação de Jefferson, que aconteceu no bar Fuzuê. É importante mencionar esse primeiro show porque ele serve como referência e eu me toquei disso no momento que conversava com amigos após o show desta quinta-feira.

É difícil falar sobre Jefferson porque ele é meu amigo, meu professor de canto e maestro/regente/arranjador do Coro Experimental MT do qual faço parte.

Pois é, Jefferson é tudo isso, mas tem um ano que ele vem se aventurando/revelando como intérprete e botando a cara - e o corpo - no palco para se apresentar como solista. O artista, que já se apresentou como solista junto com a Orquestra do Estado de Mato Grosso e do Coral UFMT, sempre usou a sua voz de barítono e a técnica para executar peças eruditas. Também passou um bom tempo se apresentando ao lado dos companheiros dos grupos Alma de Gato e Mesa pra Seis, sempre bem acompanhado e fazendo a parte mais percussiva na maioria das vezes. 

Agora ele faz o que bem quer. 

Escolhe seu repertório - e que repertório! -, os músicos com quem quer se apresentar e manda ver: "Canta e danço que dara" - diz Jefferson numa das primeiras canções do show: "Odara", de Caetano Veloso.

Senta-se ao piano para apresentar "Arrastão" de Edu Lobo e confunde a plateia por alguns segundos quando se levanta aos acordes de uma canção de Milton Nascimento ("Vera Cruz") dedilhada na guitarra por Sidnei Duarte. 

Sempre em boa companhia (além de Sidnei, os músicos Thiago Costa na bateria e Samuel Ribeiro no baixo), entrega uma interpretação belíssima de "Inútil paisagem" (de Tom Jobim e Aloysio de Oliveira).

Mistura standards de jazz, como "Flying to the moon" e "Cheek to cheek" com pop, trazendo uma versão maravilhosa de "Born this way", de Lady Gaga (uma de suas paixões), e ousa com uma versão reggae do clássico "Summertime" (canção de George Gershwin, da ópera "Porgy and Bess"). 

Canta samba ("Canto das três raças", de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro), abusa de seus dotes musicais na canção "Vou deitar e rolar", de Baden Powell e Paulo César Pinheiro, um clássico do repertório de Elis Regina. 

Quando a gente acha que já viu tudo, ele nos desconcerta com "Zero", a bela canção de Liniker.

Falta dizer alguma coisa? Eu estava ali como plateia, então não tomei notas e sequer fiz um esforço de registrar tudo na memória. Apenas curti e gostaria de ouvir tudo de novo. 

Fico super orgulhosa do meu amigo versátil que está descobrindo sua voz e o prazer de cantar o que gosta. Simples assim? Nem tanto. Tudo isso é fruto de muito estudo, muito trabalho, muito talento e de uma trajetória singular. Em 2019, Jefferson acompanhou como cantor o grupo Flor Ribeirinha em sua excursão europeia e, com certeza, teve que sair de sua zona de conforto para participar de mais de uma apresentação por noite.

Em 2020, além do já citado show do início do ano, fez algumas lives solo no Ixpia o Festival e em seu Instagram.

Com isso, foi ganhando confiança (como se precisasse) e agora ninguém segura esse moço. Sorte nossa que continuaremos desfrutando de apresentações tão singulares. Que venham mais shows!

Antes que eu me esqueça, o espaço no Garden Pub é delicioso, super arejado e agradável em tempos em que ainda é obrigatório evitar aglomerações. 


Uma pequena amostra do repertório de Jefferson Neves em vídeos bem amadores feitos para enviar aos amigos que não puderam acompanhar ao vivo e a cores. 







sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Manoel

 


Escrever é uma forma de sentir. Por isso gostaria de compartilhar algumas lembranças do meu cunhado Manoel, que nos deixou nesta quarta-feira (10/02).

Manoel era do signo de Gêmeos como eu, e fazia aniversário três dias depois de mim, no dia 16 de junho.

Era uma pessoa do bem. Nunca o vi bravo ou com raiva de alguém. Se ele tinha motivos, guardava para si.

Eu o conheci quando era menina e, aos sete anos, fui dama de seu casamento com minha irmã Jandira, em 27 de julho de 1963. 

Como perdi meu pai em dezembro de 1961, meus cunhados (seis) foram um pouco meu pai, cada um do seu jeito e numa proporção. 

Manoel foi um dos que esteve mais perto de ocupar essa posição, mas é curioso: apesar da nossa diferença de idade, ele era mais um amigo, um parceiro em algumas situações. E o nosso mais forte laço foi por muito anos o futebol. Acredito que Manoel foi a pessoa com quem mais fui ao Maracanã. 

Não sei por que minha irmã nunca ia conosco - acho que ela ficava nervosa ou não gostava muito da ideia de ir ao estádio.  Com o tempo as lembranças vão ficando mais embaralhadas, mas eu me recordo especialmente de três situações.

Uma delas envolve um jogo internacional, acredito que entre as seleções do Brasil e Paraguai. O que me marcou nessa partida é que não me recordo de já ter visto o Maracanã tão lotado como naquela noite e me lembro de Manoel repetindo no percurso de ida que a gente não ia conseguir assistir ao jogo. Mas, apesar de todo o sufoco, a gente conseguiu e foi muito emocionante. Acho que o Brasil ganhou. Se não ganhou, ficou a lembrança de uma vitória.

Outra situação marcante foi uma partida disputada em dia de temporal. Quem mora ou conhece o Rio de Janeiro sabe o quanto o bairro do Maracanã fica inundado. Pois é.  Foi o que aconteceu nesse dia. Mas apesar da inundação conseguimos chegar ao carro, que estava cheio d'água.   

A situação mais dramática, entretanto, foi vivida numa volta do Maracanã em que Manoel atropelou uma pessoa numa rua do Centro. Por sorte, a vítima teve ferimentos leves, mas me lembro do susto, da calma que Manoel manteve durante o episódio e, se não me falha a memória, acho que transportamos a vítima (uma mulher) até o Hospital Souza Aguiar.

Eu me lembrei de algumas situações, porém não contei que Manoel - e eu, por influência dele -  era botafoguense e juntos vivemos uma época (anos 60/início dos anos 70) em que o Botafogo era o máximo, o Glorioso. A gente não ficava junto da torcida organizada, mas era tão lindo assistir a um jogo no Maracanã, ver o povo na Geral (um espaço onde o povão ficava de pé e se espremia bem perto do gramado), os cantos da torcida, o gramado ficando iluminado no entardecer! Era um programa maravilhoso! Às vezes íamos nas cadeiras numeradas, mas acho que era mais comum a gente se sentar nas arquibancadas. Nunca passei medo (a não ser naquele dia do temporal), nunca vi uma briga perto de mim, nunca me senti ameaçada. 

Com o passar dos anos, deixei de frequentar o Maracanã com Manoel. Acho que foi uma coisa natural, fui ficando mais moça e tendo outros interesses. O Botafogo já não me fascinava tanto e não me lembro exatamente em que ano Manoel foi convidado a participar da diretoria do Fluminense - que, na minha cabeça, era o arqui-inimigo do Botafogo por causa de uma final em que o Bota perdeu o campeonato no último minuto da partida por conta de um gol do tricolor Lula - e, pasmem, ele passou a torcer pelo Fluminense.

Manoel e Jandira tiveram apenas uma filha, Luciana, sobrinha querida, que hoje tem dois filhos (Sávio e Leandro), ambos rubro-negros fanáticos por influência do pai deles (Marco).

Mas, como eu disse no início, Manoel era de paz e sempre soube conviver bem com todos. Acredito que, no fundo, ele conseguia torcer pelos três times - Botafogo, Fluminense e Flamengo -, só não sei para quem torcia no caso de confrontos diretos entre eles.

Adorava ler, tinha uma biblioteca maravilhosa e gostava muito de música. Tinha uma voz bonita e era muito afinado.  No último domingo da minha recente temporada no Rio tive o prazer de vê-lo cantando. Ele gostava especialmente de cantores antigos como Nélson Gonçalves, Orlando Silva, e grupos como Demônios da Garoa.

Goiano da pequena Ipameri, Manoel foi primeiro para São Paulo, onde terminou o equivalente ao ensino médio. depois veio para o Rio de Janeiro para trabalhar com um parente. Moço de poucos recursos, teve vários empregos e fez faculdade de Direito - a única que conseguiu conciliar com o trabalho. Mas seu sonho, segundo a filha, era cursar Eletrônica.  Acabou conseguindo um emprego na Light, onde se aposentou após ter obtido cargos de destaque. 

Foi um companheiro incrivelmente amoroso para a minha irmã Jandira, que surpreendentemente partiu antes dele, aos 75 anos, vítima de um infarto. De uma família longeva, Manoel nos deixou aos 90 anos, também de forma natural.

A gente sabia que ele não ia durar para sempre, mas a sua partida nos deixa com uma sensação estranha ...  Acho que o nome disso é saudade... A sensação de que podíamos ter conversado mais, rido mais, contado mais piadas ou trocado mais experiências (eu me lembro de um dia em que ele me disse que todos éramos comunistas na juventude e que o meu esquerdismo também iria passar) ... A sensação de que vivemos uma vida boa, apesar de alguns percalços.

 E para finalizar, eu me lembro da emoção de Manoel quando nasceu sua única filha após algumas tentativas anteriores não bem sucedidas.  Era um bebê lindo, perfeitinho, bem miúdo ... Ele perguntou à enfermeira: "Mas ela vai crescer, né?" 

Ela cresceu e cuidou de seu pai da melhor maneira possível.