domingo, 6 de setembro de 2020

Bolívar - Resenha Parte 2



Relendo hoje a resenha escrita sobre "Bolívar", série produzida por TV Caracol e Netflix, percebi que deixei de abordar vários pontos importantes. Por isso resolvi escrever uma segunda postagem sobre a série.

O primeiro ponto que queria destacar é sobre o oficial O'Leary, que chegou como parte do reforço do exército britânico à luta pela independência de Simón Bolívar. Aqui cabe um parênteses: os britânicos estavam longe de ser bonzinhos e tinham suas próprias colônias em outros continentes. Acontece que perderam o "bonde da história" na América do Sul e não queriam ficar de fora dos negócios. Nada mais conveniente do que apoiar os nativos em suas lutas contra os espanhóis, inimigos históricos dos britânicos. O lema do Império Britânico sempre foi "Dividir para governar".

Daniel Florence O'Leary era um militar irlandês e acaba se tornando um grande amigo de Bolívar. Em seu primeiro encontro com O Libertador, ele acaba protagonizando uma das melhores cenas da série. Além de se tornar uma pessoa de extrema confiança de Bolívar, O'Leary, interpretado pelo ator Ed Hughes, faz a função de repórter, pois toma nota de todos os acontecimentos marcantes da jornada de libertação do domínio espanhol. 



Li na wikipedia que, em seu leito de morte, Bolívar teria pedido a O'Leary que queimasse o arquivo remanescente de suas cartas, discursos e escritos, mas o oficial britânico não fez o que ele solicitou. Ainda bem. 

Fora isso, O'Leary foi sempre muito fiel a Bolívar. Na série, o personagem é extremamente simpático e leal. Embora sempre muito presente, acaba não tendo uma história própria, ainda que seja o narrador de boa parte dos acontecimentos.

Outro ponto que gostaria de destacar é em relação a um dos personagens mais detestáveis da série: Vicente Azuero, aliado do general Francisco de Paula Santander. Santander retornou do exílio após a morte de Bolívar e foi eleito presidente de Nova Granada em 1832. Segundo a wikipedia, durante sua administração foi apoiado por Azuero. Isso deu um nó na minha cabeça: Azuero foi um dos conspiradores contra Bolívar e supostamente foi fuzilado como os demais, com exceção de Santander que ganhou o perdão do então presidente (Bolívar). Preciso assistir novamente a esse episódio, mas, pelo que me lembro, vimos alguns conspiradores sendo fuzilados, mas nada foi dito ou mostrado sobre Azuero. Há cenas de sua prisão, mas não de sua execução. O que houve?

Essa postagem já está super extensa e ainda não abordei todos os pontos que pretendia.  Para finalizar e não me estender muito mais, gostaria só de falar um pouco sobre Manuela Sáenz, companheira fiel de Bolívar.  É uma personagem encantadora e mereceu na série uma história paralela. Filha bastarda de um representante da elite equatoriana, Manuelita, interpretada pela atriz equatoriana Shany Nadan na idade adulta,  ganha nosso coração com sua teimosia, coragem, inteligência e rebeldia.  Criada num convento por imposição do pai, Manuelita sonha com a luta pela libertação e sonha encontrar seu herói Simón Bolívar. Extremamente impulsiva, apaixonada, protetora em relação ao amado, ela precisa brigar muito para realizar seu sonho de lutar junto com o Exército Patriota.


Aliás, a série é pródiga em personagens femininos fantásticos, mulheres fortes, algumas submissas às leis de seu tempo, outras inconformadas com o preconceito e a ditadura masculina. Embora a maioria delas fique na retaguarda nas batalhas cumprindo a dura missão de alimentar os guerreiros e curar suas feridas, as mulheres seguem a marcha ao lado dos soldados e, nesse sentido, a série é muito feliz em retratar algumas delas, cujas histórias podem ser fictícias, mas ilustram o que era ser mulher na passagem do século 18 para o século 19. Uma delas, cujo nome esqueci, chega a se disfarçar como homem para poder enfrentar o inimigo no campo de batalha.

No mais, quero enfatizar a importância da palavra na série, como descobriu o jovem Bolívar, grande orador, capaz de entusiasmar seus companheiros de luta nos momentos mais difíceis. 

Naquela época, já podemos sentir o poder das fake news. A comunicação era precária, demorava meses, mas os boatos estavam lá para criar a cizânia, enfraquecer a luta e manchar reputações.

Nesse sentido, o mundo mudou, pero no mucho. 





sábado, 5 de setembro de 2020

Bolívar: como não se apaixonar (pela série e por El Libertador)?



Desde que comecei a assistir à série "Bolívar" sabia que um dia escreveria sobre ela, embora não seja uma tarefa fácil. É claro que me apaixonei pela série, caso contrário não teria chegado até o fim. São 60 episódios de aproximadamente uma hora! Houve dias em que assisti a três episódios, mas em geral assistia a dois por noite.

Confesso que ter chegado ao fim me dá um misto de alívio e tristeza. Sinto falta dos personagens da série, dos principais e de alguns secundários que me conquistaram.

A série é fantástica e conta a história de Simón Bolívar, o Libertador - da infância na fazenda da família, na Venezuela, à morte em 17 de dezembro de 1830.  A produção é da TV venezuelana Caracol e da Netflix. 

Fiquei chocada com a minha ignorância sobre a história desse personagem que é ímpar na história das Américas. Não há no Brasil um herói da envergadura de Simón Bolívar. 

Enquanto assistia ao desenrolar dos acontecimentos, sempre pesquisava sobre os personagens da vida real para saber mais sobre eles. Os pontos principais estão todos na série e é extremamente triste assistir à decadência física de Bolívar, que não por acaso é acompanhada de sua derrocada no plano político. 

Não tenho capacidade para julgá-lo, mas vejo que em alguns momentos ele (ou o personagem) foi muito arrogante e isso contribuiu para que o grupo que iniciou o processo de libertação dos espanhóis se desintegrasse. 

Mas acredito que não foi o comportamento de Bolívar que levou a isso e sim a complexidade da situação. Havia muito interesses em jogo e é fácil para a gente julgar quando assiste a tudo de uma tela de televisão, dois séculos depois.

Naquele momento, na virada do século 18 para o 19, tudo era muito incerto e o jogo era realmente bruto. As cabeças continuavam rolando e é impressionante a força (ou o desespero) que levou milhares de pessoas comuns a se unirem ao Exército Patriota. O sonho não tardou a se render à dura realidade da pobreza, da fome e da desigualdade. Enquanto uns se vestiam e comiam bem (inclusive, o próprio Bolívar), outros mendigavam pelas ruas e eram até presos por roubarem, embora fossem heróis da causa da liberdade.

Essa é para mim a questão central da série: até que ponto a liberdade trouxe bem-estar, uma vida melhor para as classes mais desfavorecidas? Os negros, os escravos continuaram sendo servis aos brancos; as mulheres continuaram sendo tratadas como móveis e utensílios, mesmo quando mostravam sua bravura em campo.

Mas, independentemente do que se conquistou, era preciso seguir em frente naquele momento. E Bolívar liderou os sul-americanos na luta pela libertação da Espanha, que roubava suas riquezas e escravizava os nativos, assim como Portugal fez com o Brasil.

Aliás, é irresistível comparar o processo de Independência do Brasil com os dos muitos países de colonização espanhola. Não que aqui não tenha havido lutas e muito derramamento de sangue, mas foi diferente. Bem ou mal, tivemos um Imperador que oficializou o processo de independência de Portugal, embora continuasse com ideias conservadoras e monarquistas.

Mas quero falar um pouco mais sobre a série "Bolívar". Em vários momentos, ela parece um novelão. É como se estivéssemos assistindo a um capítulo de "Escrava Isaura" ou de outra novela de época. Eu me lembro de uma cena em especial que me irritou muito: o doloroso parto da escrava Matea. Enquanto ela se contorcia de dor e desespero, uma figurante secava mecanicamente o suor de seu rosto e de parte do corpo com um pedacinho de pano. 

Muitos personagens ficam pelo meio do caminho e eu fiquei me perguntando o que foi feito deles. Pablo Clemente, o marido doido de Maria Antônia (a irmã mais velha de Bolívar), é um exemplo, mas há muitos outros. Eles simplesmente desaparecem da história sem deixar vestígios.  A própria Matea, que tinha tanta relevância na primeira parte, desaparece num passe de mágica.


Na verdade, parece que a série é dividida em três partes: a infância e a juventude de Simón; o início da guerra pela independência e a história de Manuelita Sáenz; e a derrocada do projeto de Bolívar de unir todos os países libertos e sua morte.  Como parei umas três semanas de assistir à série por motivos pessoais, tenho a impressão de que toda essa primeira parte aconteceu há muito tempo e faz parte de outro seriado. 

A parte mais emocionante foi sem dúvida a segunda com cenas de batalhas incríveis e situações em que o telespectador se pergunta como os "mocinhos" vão conseguir vencer os "bandidos" (no caso, os espanhóis e toda sorte de pessoas que se une contra Bolívar e seus seguidores). 

A terceira parte tem momentos interessantes, porém é muito sofrida, porque a gente sabe (porque buscou as fontes) que o final será extremamente triste.



Gostei muito dos atores principais. O jovem Bolívar ( o ator venezuelano José Ramón Barreto) era muito sedutor apesar de ser um rapazinho pequeno. Li que o verdadeiro Bolívar tinha 1,65m. O ator que interpreta Bolívar na maturidade (Luis Gerónimo Abreu) é maravilhoso e tem um tom de voz marcante. É muito interessante acompanhar a sua decadência física, provocada pela doença: ele emagrece, fica com olheiras, sofre terrivelmente com a falta de ar, mas continua lindo.



Dos atores coadjuvantes, que têm direito a histórias paralelas, segui com muito interesse os casos do pintor Aponte, que mostra a importância dos retratistas da época ocupando o papel que seria desempenhado pela fotografia no século XX.  Encantei-me com a história de Marcela, a ex-prostituta que luta para se tornar aceita numa sociedade machista e preconceituosa, e também a história de Júlio Herrera. Aliás, não sei por que ele não ganhou uma chance na administração do amigo Santander. Ele era intrigante, vaidoso, mas não ficou claro para mim o motivo da recusa de Santander em lhe dar o cargo que tanto almejava.

Morri de pena do Córdova, que sempre era menosprezado por Bolívar e também acho que outros personagens como Sucre, O'Leary, José e Dionísio poderiam ter sido mais aproveitados. Paez também era um personagem muito interessante, que ficou meio esquecido, assim como o seu ex-braço direito que seguiu com Bolívar na célebre travessia pela Cordilheira dos Andes. 

No mais, é isso. Eu me lembrei do personagem Sereno, um bobo das ruas de Santa Fé de Bogotá, que nada tinha de bobo como a série mostrou. 

Vale a pena assistir a "Bolívar"? Sim! Eu amei e jamais vou esquecer a série. Aprendi muito e fiquei morrendo de vontade de  conhecer mais sobre os países da América do Sul. É curioso como a gente sempre teve aquela vontade de visitar Europa, EUA, e não tem o mesmo interesse pelos países próximos. É claro que muita gente quer visitar Bariloche e alguns lugares turísticos do Chile, Peru, mas a América do Sul é muito rica e tem muito mais a nos oferecer. Pena que alguns países como a Venezuela vivam uma situação de instabilidade e insegurança não muito diferente da que vivemos hoje no Brasil.

Dois séculos se passaram desde a Independência, mas os problemas enfrentados por Bolívar e outros libertadores continuam assombrando a América do Sul.