sexta-feira, 22 de abril de 2011

Sexta-feira Santa

Quando eu era criança a Sexta-feira Santa era um dia muito especial, quase aterrorizante. Geralmente eu ia à igreja (Santíssima Trindade, na rua Senador Vergueiro, no bairro carioca do Flamengo) na quinta-feira com minha mãe e me impressionava com ar sombrio que imperava na véspera da Sexta-feira da Paixão.
Eu não me lembro direito das coisas, mas sei que o sentimento era de que Jesus passaria novamente por todo o sofrimento do Calvário até morrer na Sexta, às 3h da tarde, para ressuscitar no Sábado de Aleluia. Domingo era dia de comer ovo de Páscoa. Só alegria.
Às vezes eu me impressiono com o fato de ter sido criada dentro de uma casa católica, ter cumprido todos os rituais da Igreja (batismo, crisma, primeira comunhão, etc) e ter me afastado tanto num determinado momento da minha vida.
Não me afastei dos valores transmitidos por minha família - respeito aos mais velhos, lealdade, honestidade e culpa quando se sente que não se conseguiu seguir alguns desses princípios -, mas em compensação eu me sinto tão perdida em termos de fé, religião.
Hoje comentei sobre a doença da amiga da minha filha com uma vizinha e ela disse que a gente tem que acreditar num plano superior para aceitar fatos como esse.
É esse cerne do problema. Às vezes quero acreditar nisso e confiar em que existe um sentido para tudo e que haverá de fato uma recompensa para as pessoas "do bem". Mas o que realmente acredito é que não existe recompensa e que estar ((ou procurar estar do lado do bem) é a recompensa (ou o castigo) em si para aqueles que aprenderem a distinguir o certo do errado.
Em outras palavras, se alguém não tem valores éticos, o que é certo e o que é errado? Não existe culpa, nem remorso. Não é assim que funciona a mente dos psicopatas?
Mas se você foi criado aspirando fazer o bem e sabendo muito bem distinguir o que é certo do que é errado, se fizer o que manda a sua consciência, sua recompensa será dormir em paz; se não fizer, o remorso, a culpa, o medo vão te causar um sofrimento tão grande que no final você vai se indagar se valeu a pena agir daquela forma e vai procurar agir melhor da próxima vez.



Monumento aos Gaicuru no Parque das Nações Indígenas em Campo Grande (MS)
Hoje li um trecho muito interessante do livro "Gente pantaneira" de Abílio Leite de Barros que tem a ver com o que acabei de falar. O autor investiga a ascendência dos indígenas mato-grossenses no bugre pantaneiro e traz informações saborosas acerca de várias etnias, algumas mais guerreiras e outras mais pacíficas. Ele diz que um dos comandantes do Forte de Coimbra, Ricardo de Almeida Franco, teria condenado as técnicas de guerrilha dos guaicuru, que lhe pareciam covardes e traiçoeiras.
 "Vocês lutam frente a frente, arriscando-se a morrer porque estão com pressa de ir para o céu; mas nós que não somos batizados e não vamos para o céu, não temos razão para procurar a morte", teria  respondido um gaicuru, segundo Cavalcanti M. Proença, citado por Abílio.
E quando não se acredita no céu, mas também não se sabe em que acreditar, como a gente fica?


2 comentários:

Terezinha disse...

Você parece acreditar nos valores éticos, tanto que procura segui-los. Isso não é suficiente?

Martha disse...

Não, às vezes não parece suficiente. Mas mesmo assim vou continuar seguindo-os.