sábado, 29 de outubro de 2011

Espectro pantaneiro

Foto de Protásios de Morais
"Eu sei que vou te amar", o samba-canção de Tom Jobim e Vinícius de Morais na viola de cocho? Parece mentira, mas foi o que ouvi ontem no show "Espectro pantaneiro", no Teatro do Sesc Arsenal.
Antes de seguir adiante, gostaria de falar um pouco sobre a viola de cocho, usando como fonte um livro maravilhoso: "Cultura mato-grossense",  do cuiabano Roberto Loureiro (Entrelinhas Editora, 2006). A viola de cocho é "confeccionada a partir de um bloco de madeira inteiriça" e, sobre o bloco de madeira, "o artesão esculpe o formato da viola, escavando a madeira até que as paredes fiquem bem finas, um cocho bem trabalhado". A peça recebe um tampo de madeira como o de um violão, porém, sem a boca.
É um instrumento que desafia minha compreensão. Lembra um pouco o alaúde, usado nas músicas medievais.
Até há pouco tempo a viola de cocho era usada apenas nos rituais de cururu e siriri, com poucas variações, mas alguns músicos e pesquisadores de Mato Grosso e de fora vêm dando outra dimensão ao instrumento, que é a cara de MT. Para isso muito contribuiu o trabalho desenvolvido pela Orquestra do Estado de Mato Grosso (OEMT), que tem à frentre o maestro Leandro Carvalho. Em muitos concertos, a OEMT conta um naipe de violas de cocho.
A introdução ficou um pouco longa, mas o que quero falar mesmo é sobre Sidnei Duarte, um dos músicos que toca viola de cocho na OEMT. Aos 38 anos, ele é um músico estudioso (além de ser graduado em Física), que transita com tranquilidade entre a viola de cocho, o violão e a guitarra. Vai do chamamé ao jazz mais contemporâneo - daí o nome de seu show "Espectro pantaneiro".
Sidnei divide o palco com três parceiros: Sandro Souza (bateria), Samuel Smith (baixo) e Phellyppe Sabo (saxofones e flauta). O show passeia pelo erudito (um estudo feito por Sidnei para viola de cocho), a MPB e o jazz, con o vigor de composições de Charlie Parker, Pat Metheny, John Scofield e Kurt Rosenwinkel.
Tem lugar ainda para a delicadeza e a vibração de composições dos brasileiros Garoto e Guinga.
Como vocês podem ver, o "espectro" sonoro de Sidnei é bastante amplo para mostrar toda a versatilidade e talento desse paulista,  que se fez músico em Mato Grosso.
Comparando com tudo que já ouvi (ao vivo no Rio de Janeiro e em outras cidades, em CDs e no rádio), a performance de Sidnei e dos músicos que tocaram com ele e a qualidade de suas composições não decepcionariam em qualquer palco do mundo onde se faça música instrumental de qualidade.  Felizmente ou não, Sidnei mora em Cuiabá e por aqui não se dá tanto valor a esse tipo de música, que prescinde de palavras para sensibilizar.
Talvez o show precise de alguns ajustes em termos de repertório (eu teria que assistir novamente para fazer uma avaliação mais precisa) e uma direção artística que torne o espetáculo mais azeitado. Seja como for, é sempre um privilégio ouvir em Cuiabá uma música ousada, vibrante e que foge ao senso comum.
Quem quiser conferir, hoje tem mais uma apresentação de "Espectro pantaneiro", às 20h, no Teatro do Sesc Arsenal. O show é o pré-lançamento do CD do mesmo nome que Sidnei está gravando.

Um comentário:

Jane disse...

Pelo seu blog, nós, seus leitores, cada vez mais ficamos encantados com a riqueza musical de Cuiabá. Eu fico sempre com mta vontade de assistir a esses shows que vc nos descreve.
Acho que mtos desses artistas estão perdendo a oportunidade de ter uma excelente direção artística. Já pensou nisso? Bjs.