quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Dedo na ferida





Há alguns dias comentei no Facebook uma reportagem assistida no Jornal Nacional http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2014/02/alunos-mais-velhos-ensinam-caculas-servem-almoco-e-limpam-pia-no-japao.html sobre o sistema educacional no Japão. Fiquei encantada com a matéria, que mostrou crianças e jovens servindo refeições para os colegas nas salas de aula (não há refeitórios) e depois cuidando da limpeza. Também vi crianças da primeira série recepcionando crianças menores (do Jardim da Infância) e mostrando o que elas terão pela frente.
Na postagem no Facebook, eu lamentava não ter tido esse tipo de educação e recebi vários comentários. Houve gente que disse ter tido a sorte de receber esse tipo de educação de sua mãe e confesso que me senti tentada a retrucar que minha mãe também tinha procurado me dar esse tipo de educação.
Mas, na minha opinião, não é só isso que está em questão: é claro que o papel e o exemplo dos pais são fundamentais, porém eu me referia a uma questão cultural de uma sociedade que não vê o "trabalho doméstico" como uma obrigação do outro (seja ele, a "tia" da escola responsável pela faxina ou a diarista que ganha para limpar sua casa) e também não vê essas tarefas como trabalho  exclusivo da mulher.
Volto a repetir o que disse no FB: temos uma herança escravagista sim e muito machista que não valoriza o trabalho doméstico (ou a limpeza dos espaços públicos).
Confesso que não gosto muito de cuidar da casa, mas gosto de ter uma casa limpa e arrumada. Gosto de morar numa cidade limpa e arrumada.
A culpa não é da minha mãe, que era uma excelente dona de casa. 
Na verdade, no meu caso, acho que devo isso a uma vontade exacerbada de romper com um modelo de mulher que não desejava para mim. Nesse contexto, lavar, limpar e principalmente cozinhar eram atividades vistas como chatas, depreciativas e que ainda me roubavam um tempo precioso que preferia dedicar à leitura. Naquele tempo (aos 10, 11 anos), eu já sonhava ser jornalista e queria trabalhar fora, ser independente e ter uma vida muito diferente da minha mãe. 
Mal sabia eu que essas atividades - lavar, limpar e cozinhar - seriam sempre essenciais e que nem sempre eu teria minha mãezinha e ajudantes para desempenhá-las. E que elas poderiam até ser prazerosas (tem gente que jura que adora lavar banheiros, por exemplo). 
Essa minha história também tem outro elemento crucial: embora minha mãe e minhas irmãs mais velhas fossem do lar, quase sempre havia por perto uma menina (uma cria da casa) para ajudar. 
Como uma menina de 7, 8 anos vai entender que ela pode apenas estudar e brincar enquanto a outra da mesma idade pode estudar (num outro tipo de escola, pública ou com custo menor) e eventualmente brincar, porém tem um monte de tarefas domésticas para fazer? 
Essa é a tal herança escravagista de que falei. É claro que sei que nada disso era feito de má fé ou com consciência por nossos pais. Era simplesmente uma questão de uma cultura que ainda impera em muitos lares, principalmente, no interior do Brasil, onde meninas trabalham em troca de estudo, casa e comida (a qualidade e quantidade desse pagamento fica a critério do "benfeitor").
Por tudo isso, adorei o sistema educacional japonês e essa cultura japonesa onde o trabalho dito doméstico é feito por todos, independentemente de idade ou sexo. Pelo menos foi o que a reportagem mostrou.

2 comentários:

Marcos Albuquerque disse...

Marthinha , percebo a sua visão e sua vontade de sublinhar essa observação.
Mas não se esqueça serem as sociedades orientais extremamente hierarquizadas. Quem sabe a classe filmada fosse apenas um grupo de socialmente "iguais"?

Martha disse...

Marcos, como você está morando na banda oriental (na China, né?), acho bastante interessante o seu comentário. Obrigada!