quarta-feira, 22 de janeiro de 2020

Magno Jorge


Há pessoas que passam por nossa vida de forma tão suave que acabamos não lhes dando o merecido valor. Mas, às vezes, a vida nos dá uma segunda chance. Foi o que aconteceu recentemente com o repórter fotográfico Magno Jorge. 
Conheci Magno quando comecei a trabalhar como freelancer na saudosa revista Produtor Rural em Cuiabá, em 2003. Mais velho que eu uns oito anos, já tinha os cabelos grisalhos quando o conheci e muitos anos de estrada. Mas era muito discreto, humilde mesmo, e pouco falava sobre suas aventuras do passado. E eu perdi a oportunidade de perguntar ...
Magno não ficou muito tempo conosco e seguiu seu caminho. Nas poucas ocasiões em que nos encontrávamos, era sempre muito gentil, porém não aprofundávamos nossa relação. 
Fiquei anos a fio sem ter notícias dele até que em agosto de 2019 o jornalista Rodrigo Vargas entrou em contato comigo e outros antigos colegas de Magno solicitando apoio para uma "aventura" que nos uniu até o falecimento do valente fotógrafo em 5 de novembro de 2019.
Magno tinha um câncer na laringe, estava extremamente debilitado e morava na casa de sua filha em Barra do Garças (a 500 km de Cuiabá), sem condições de arcar com um bom tratamento. Rodrigo conseguiu trazê-lo para a capital e interná-lo no Hospital de Câncer de Mato Grosso (HCanMT). 
Nesses aproximadamente três meses, Magno viveu momentos difíceis, característicos da doença, que já estava em estado avançadíssimo. Talvez pudesse ter tido uma sobrevida maior se tivesse recebido os cuidados necessários com mais rapidez e a tempo, mas o fato é que seu caso já era muito grave quando chegou ao HCanMT e foi nítido para nós, leigos, o avanço do tumor. 
No início, ele falava com dificuldade e, aos poucos, foi utilizando cada vez mais cadernos, cadernetas, pedaços de papel para se comunicar. 
Mas o foco principal deste minha homenagem tardia ao amigo foi dizer que eu me senti mais próxima dele nesses poucos meses de convivência, apesar das dificuldades de comunicação, do que em vários meses de convívio na redação. 
Várias histórias ficaram pelo meio e eu até hoje morro de curiosidade para saber mais sobre o jovem Magno. Um dia lhe perguntei sobre uma enorme cicatriz em uma das pernas e ele respondeu: "Briga de rua". 
Sei que foi boêmio demais, sei que não conseguiu guardar dinheiro para os tempos difíceis (poucos jornalistas conseguem), mas Magno conseguiu a proeza de reunir amigos, ex-colegas de trabalho, parentes que, mesmo distantes fisicamente, procuraram ampará-lo nos últimos meses.  O objetivo de todos era lhe proporcionar um pouco de conforto em meio a tantos desconfortos provocados por essa doença terrível.
Fui testemunha do esforço sobre-humano da jornalista Fátima Lessa para coordenar e manter operante o time de cuidadores que zelava por Magno 24 horas por dia.  Acompanhei também os esforços de Mário Hashimoto, grande amigo de Magno, para encontrar formas de lhe fornecer o devido suporte financeiro. 
Lamento não ter conseguido ajudar Magno a concluir as histórias que começou a escrever num caderno e que pretendia transformar num livro.
Fiquei muito feliz de descobrir que ele era coautor da música "Pantan no quintal" (mais conhecida como "Sabiá laranja"), canção composta com o amigo Antonio Carlos Lima, que foi interpretada por Almir Sater e, soube depois, gravada por Divino Albués.
"Sabia que eu fiz uma canção que Almir Sater cantou num Festival de Inverno da Chapada? Ele até mandou um abraço para mim quando estava no palco" - me contou Magno em um nossos encontros no hospital. 
Com a ajuda de uma amiga cantora (Rita Cássia) descobri que essa música tinha sido interpretada por Amauri Lobo num show ao qual assistimos. Falei com Amauri e ele não só confirmou a autoria da música, como contou a história por trás dela e aceitou meu convite para uma visita ao velho amigo Magno, que ele chamava carinhosamente de Maguinho.
Foi um momento mágico,  emocionante, daqueles que a gente guarda sempre no coração, mas que o celular ajuda a gravar também.
Quantas histórias lindas as pessoas guardam e nem sempre encontram ouvidos (os olhos) para receber!
Em novembro, eu estava na Austrália, curtindo um momento de repouso com minhas filhas Diana e Marina na grama de um parque em Sydney, quando eu me lembrei de Magno e lhes contei sobre ele. Naquela noite, quando retornei a Brisbane (a cidade onde mora minha filha), recebi via whatsapp a notícia de que Magno tinha falecido.
Coincidência? Sincronicidade?
Lamentei não estar em Cuiabá para ver e rever as pessoas que se uniram em torno de seus últimos meses aqui. Mas sabia que ele não resistiria muito tempo, pois já estava muito debilitado. 
Não sei onde está, se está, mas passei a admirá-lo e gostar muito mais dele após esse breve encontro. 
Para que mais pessoas conheçam mais sobre Magno Jorge compartilho aqui o link de uma matéria muito legal publicada no jornal Folha de SP e assinada por Dhiego Maia: 
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/11/mortes-uniu-amigos-e-denunciou-em-fotos-destruicao-da-amazonia.shtml

Magno Jorge é o segundo da esquerda para a direita nesta foto, entre Beto Velosa, Mário Hashimoto e Amauri Lobo. Foto de Mary Juruna.


Nenhum comentário: