domingo, 7 de abril de 2013

Dia do jornalista: será que há algo a comemorar?

Hoje é dia do jornalista e o Facebook está cheio de mensagens alusivas à data.
Sempre quis ser jornalista, ou melhor, descobri que queria ser jornalista quando tinha uns 10/11 anos e sonhava ultrapassar os "muros" do meu apartamento, onde morava confortavelmente protegida por minha mãe e minhas irmãs.
Como já disse aqui, a revista "Realidade" teve uma grande participação nesse desejo e me influenciou muito, assim como aconteceu com outras pessoas da minha geração.
Era isso que eu queria fazer, pensava: usar minha profissão para visitar locais, como um pronto-socorro ou uma delegacia de polícia ou ainda um front de guerra, e conhecer pessoas que estavam totalmente fora do meu círculo.
Quando comecei a trabalhar, como repórter de Geral, consegui realizar um pouco desse sonho. Quando ainda era estagiária do jornal "Tribuna da Imprensa", sem ganhar um tostão, nem vale transporte, visitei os subterrâneos da obra do metrô no Rio de Janeiro e entrei sem autorização oficial num hospital de leprosos, o Hospital Colônia de Curupaiti (acho que era esse o nome) em Jacarepaguá. Cobri passeatas, protestos de estudantes onde a polícia da ditadura militar atirava e não hesitava em quebrar a cabeça de deputados corajosos e "de esquerda", que se colocavam ao lado dos estudantes que tentavam defender a velha sede da UNE na Praia do Flamengo.
Acho que foi mais ou menos nessa época que descobri que eu não era tão corajosa, mas isso não me impediu que fosse crescendo na profissão e até realizasse grandes matérias, como aquela (que já citei aqui) com o psiquiatra Amílcar Lobo, primeira testemunha do lado de lá a denunciar a farsa em torno da morte do deputado Rubens Paiva.
Mas aí veio a vontade de formar uma família, a vinda para Mato Grosso, o nascimento das filhas, etc, etc.
Em 2003, após a separação, voltei a ter a oportunidade de ser repórter novamente, na revista "Produtor Rural", editada pelo jornalista Sérgio de Oliveira, da minha geração. Novamente o instinto de repórter aflorou: numa matéria sobre transporte escolar rural, percebi que não bastaria entrevistar os representantes das secretarias de Educação do Estado e dos municípios. Por que não sentir na pele as agruras de quem depende diariamente do transporte escolar no campo e sai de casa no meio da madrugada para chegar à escola no início da manhã? Foi uma linda reportagem.
A revista "Produtor Rural" me deu a chance de conhecer muitos municípios de Mato Grosso, conversar com muita gente, enfrentar estradas de chão, compartilhar refeições com pessoas quase desconhecidas, viver outras realidades e isso me fez ver o mundo rural com outros olhos. Foi uma experiência muito bacana e hoje reconheço que tenho muito a agradecer ao Sérgio por essa oportunidade de ouro.
Nesse meio tempo, dei aulas de jornalismo e acredito ter influenciado positivamente alguns jovens jornalistas.
A revista acabou e até tentei continuar trabalhando como repórter, mas ficou difícil pagar as contas. Acabei me agarrando a melhor oportunidade profissional que me apareceu: a assessoria de imprensa da Associação Mato-grossense dos Produtores de Algodão (Ampa).
Tento me convencer de que já estou meio "velhinha" e, portanto, está na hora de buscar um trampo mais tranquilo em que possa permanecer no conforto do ar condicionado, sem enfrentar o rigor das estradas e outros perengues. Mas, no fundo, fico meio triste por não poder contar histórias diferentes e conhecer pessoas diferentes através de uma profissão que me obriga a superar minha timidez. Sempre que posso invento um jeito de sair do escritório.
Adoro contar histórias e fico pensando como conciliar a vida prática (a necessidade de ganhar dinheiro para pagar as contas) com um trabalho que me dê mais tesão e tenha mais a ver com o meu sonho de menina.
Ainda não descobri essa resposta.
A ideia inicial aqui era homenagear o dia do jornalista - essa profissão tão estranha e meio parecida com a do professor: todo mundo elogia, diz que é muito importante, mas que é tão desvalorizada financeiramente.
Hoje li um post dizendo que dois dos três jornais diários de Cuiabá estão muito mal das pernas. Acredito que o comentário se referia à Folha do Estado e Diário de Cuiabá. Passei pelos dois nos últimos anos e sinceramente não entendo como as pessoas conseguem trabalhar em lugares onde os salários são pagos com tanto atraso. Em um deles, o diretor paga quando quer e a quem quer, já que o dinheiro não dá para todos.
Participei de uma mesa redonda sobre jornalismo científico na UFMT na sexta-feira e alguns dos jornalistas presentes (todos veteranos como eu) reclamaram da baixa qualidade do jornalismo praticado em Mato Grosso. As matérias são em sua maioria superficiais, mal redigidas, mal apuradas. As pessoas na mesa disseram que falta ir para a rua, falar com as pessoas, olhar nos olhos dela.
Sinto que está se fazendo muito um jornalismo de assessoria, ou seja, como os jornais não querem investir e mantêm redações enxutas, grande parte do espaço é ocupada por matérias de assessoria (inclusive as minhas) "vendidas" ao leitor como matérias da Redação, em muitos casos.
As notícias acabam chegando às pessoas através das redes sociais, dos blogs, da TV, mas quase sempre de uma forma fragmentada, sensacionalista e não raro meio inconsequente.
Por isso, infelizmente, não compartilho dessa onda de parabéns pelo dia dos jornalistas. Acho que a data deveria servir para um debate sério sobre os rumos que nossa profissão está tomando.
Mas pelo menos esse post serviu para que eu me reconcilie com a profissão que escolhi (ou que me escolheu). 

5 comentários:

Dete disse...

Martha, não sei se foi apenas a profissão de jornalista que mudou, ou foi o mundo que mudou passando a dar mais importância ao que pode ser consumido em vez de à cultura, ao conhecimento, à pesquisa, à segurança. Pense também na profissão de médico, tão importante. Quanto eles ganham, quem reconhece os sacrifícios que eles fazem para conseguir exercer a profissão? E os policiais, criticados pela esquerda e pela direita enquanto correm perigo diário de vida? O jornalista é um prestador de serviços mas, como esses outros profissionais, não recebe o reconhecimento merecido pela sociedade. No entanto, apesar de todos esses pesares, vocë escolheria outra profisão?

Dete disse...

Desculpa, erro de digitação, “profissão”

Alexandre Fernandes disse...

Martha, a inveja é um sentimento pouco nobre, mas não posso escondê-lo. Essa é uma profissão que almejei e não tive coragem suficiente para abraçar. Quando pensei em segui-la, no auge da ditadura e cheio de ideais libertários, fui amedrontado por um tio, irmão do meu falecido pai. Ele me alertou para a situação de arrimo de família e me garantiu que seria preso e torturado. Fraquejei e segui outro caminho, mas sempre fui um homem de humanas e das letras, hobby conservado até hoje. Minha filha mais velha é jornalista, vocação desde criança, como a minha. Ela é assesssora de imprensa da Fecombustíveis aqui no Rio. Mas o glamour da grande imprensa, o dia a dia das redações, o jornalismo investigativo sempre foram meu objeto de desejo. Parabéns aos verdadeiros e honrados profissionais dessa classe. A história e os destinos desse país e do mundo todo passa pelas matérias dessa gente valorosa.

Alexandre Fernandes disse...

Corrigindo:

... A história e os destinos desse país passam...

Martha disse...

É interessante saber que você tem alma e vocação de jornalista.
Gosto muito de seus textos e não tenho dúvidas de que você seria um ótimo jornalista. A propósito, qual é sua profissão e ganha-pão?