sábado, 16 de fevereiro de 2013

Amizade

Dizem que coincidências não existem. Há poucos dias eu me lembrei de uma grande amiga, Lucia Rito. No mesmo dia ou no dia seguinte uma amiga em comum, com quem eu não me comunicava há anos, citou o nome de Lucia num email.
Lucia foi embora cedo demais. Tinha energia, alegria, inteligência demais e, mesmo assim, deixou esse mundo cedo demais.
Não sei se algum dia cheguei a lhe dizer com todas as letras o quanto ela foi importante para mim. Talvez sim.
Quando comecei a trabalhar na revista Veja, no final de 1983 (ou foi 1984?), eu parecia um bichinho assustado. Não conseguia entender como podia estar ali na redação da sucursal mais charmosa do Rio. Todo mundo ali parecia especial e eu achava que não ia dar conta das tarefas que me eram atribuídas.
Não conseguia almoçar decentemente, voltava para a redação super tensa, morrendo de medo de não conseguir mandar um relatório a contento para os supereditores sediados em São Paulo.
Pois bem, na minha insegurança, não conseguia perceber que outros repórteres iniciantes como eu também passavam maus pedaços até que a secretária da redação me abriu os olhos num dia um pouco pior do que os outros.
Mas, e Lucia Rito? Ela era meu sonho de consumo. Fazia mil pautas ao mesmo tempo, estava sempre linda, charmosa, risonha, cuidando da família (do marido e das duas filhas), fazendo academia, análise e ainda empreendendo. Criou uma empresa, a Saque Sagaz, que fazia um pouco de tudo e começava a escrever um livro autobiográfico, o primeiro de muitos que escreveria até nos deixar.
Pois não é que nos tornamos amigas, grandes amigas. Nem sei como essa amizade começou, mas a sensação que tenho é que ela pegou minha mão e foi me levando pela vida afora. Lucia me mostrou que era possível ser uma ótima repórter da revista Veja e ter vida própria.
Aos poucos, eu também comecei a fazer ginástica na mesma academia que ela e até a fazer terapia. Na época, ela fazia análise transacional e me abriu as portas da clínica que frequentei até trocar o Rio para Mato Grosso. Passei a cortar o cabelo com seu cabeleireiro, o França, num salão simpático de Copacabana; aprendi a me vestir melhor com ela e até a admirar as artes plásticas. Foi um aprendizado e tanto.
Mas o melhor ainda estava por vir: ela me deu os originais de seu livro, "Memórias do caos", para ler e acatou algumas observações que fiz. Gosto demais de seu livro, onde ela se abre de uma forma surpreendente, total. O livro me mostrou que por trás da super Lucia havia uma menina assustada como eu.
Se não me falha a memória, Lucia deixou a Veja antes de mim, porém a gente não se afastou, nem mesmo quando resolvi encarar a aventura de vir morar em Mato Grosso atrás de um grande amor.
Em todos os anos que fui ao Rio, com marido, sem marido, com filha (Diana), a gente sempre se encontrou, ela sempre arrumou um tempo em sua agenda supermega concorrida para me ver: em seu novo apartamento no Jardim Botânico, na beira da piscina do condomínio, em algum bar ou restaurante.
A gente nunca se afastou. Quando ela ficou doente, eu temi nosso encontro e ela estava mais Lucia Rito do que nunca, fabulosa, linda, de turbante, super otimista. A gente bebeu, comeu, e combinou de ir dançar salsa em algum lugar em Santa Tereza (perto dos Arcos) no domingo. Eu não fui porque achei que devia ficar com minha família no meu último dia no Rio. A gente nunca mais se viu, mas sei que ela foi dançar a salsa.
Pouco tempo depois, ela fez mais uma cirurgia, chegou a voltar para casa, mas não resistiu.
Sou muita grata a essa amiga maravilhosa e tantos amigos maravilhosos que me acolheram e me incentivaram ao longo da vida.
Outro dia vi um depoimento bacana de uma jornalista de Cuiabá, Franchesca, em homenagem à amiga aniversariante, Pâmela. Achei bonito e foi isso que me inspirou a falar da Lucia, agora eu me lembro, mesmo que ela não possa me ler ... Mas, sei lá, de repente, outras pessoas vão pensar nela com carinho.
Acho que é para isso que os amigos servem.

PS. Esqueci de contar que Lucia Rito continua me inspirando. Em 2010, quando estava desempregada, fui convidada para trabalhar numa revista de Cuiabá super chic, a Corpo e Arte, e fiquei receosa de não dar conta do recado. Aí eu me lembrei da Lucia e fui em frente. Volta e meia, eu me pego pensando: como será que a Lúcia reagiria nessa situação?
Para conhecer um pouco mais sobre Lucia Rito, acesse http://portal.comunique-se.com.br/index.php/editorias/3-imprensa-a-comunicacao-/51833-morre-a-jornalista-lucia-rito.html

5 comentários:

Terezinha Costa disse...

Lindo texto, Martha. Ainda mais porque saiu direto do coração e não de uma pauta suscitada por alguma efeméride. Trabalhei com Lucia Rito na Veja e, depois, no JB. Era um relacionamento muito cordial, mas não próximo. Lembro-me dela como você descreveu, cheia de energia e alegria. Lamento não ter percebido que talvez pudesse aprender com ela a lidar saudavelmente com a pressão desumana da Veja naqueles tempos.

Martha disse...

Obrigada, Terezinha, por seu comentário!

Pousada e Pesqueiro Peron disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carol disse...

Martha, vc sempre me supreende e emociona pelo dom e paixão pela arte de registrar fatos, contos, sabores, aromas, cores (agora em fotos!)e pessoas. Adorei seu blog!

Martha disse...

Obrigada, Carol!