sexta-feira, 12 de junho de 2020

When I'm sixty-four


É inevitável. Toda vez que penso no meu aniversário, essa música me vem à cabeça: "When I'm sixty-four" - composição de Paul McCartney, gravada no lendário LP "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band". Acabo de descobrir que foi gravada em dezembro de 1966, ou seja, quando eu tinha pouco mais de 10 anos, e escrita por Paul quando ele tinha 16. Não sei por que passei anos achando que tinha sid escrita por George Harrison, meu Beatles preferido na adolescência.
O que imaginei quando a ouvi pela primeira vez? Difícil saber, mas, com certeza, parecia uma idade longínqua, quase inatingível. Provavelmente eu me imaginei velhinha, de cabelos brancos,  sentada numa cadeira de balanço e envelhecendo ao lado do meu amado.

"Will you still need me
  Will you still feed me
  When I'm sixty-four?"

E não é que cheguei aos 64 anos? Não estou de cabelos brancos graças ao uso constante de Soft Color e aos gens herdados de meus pais; tampouco, me sinto velhinha. Muito pelo contrário. E acho que isso às vezes é um problema. 
Eu podia estar sossegada fazendo sapatinhos de tricô para meus netinhos ou trilhos de mesa de crochê. Podia ainda estar cozinhando pratos gostosos para receber parentes e amigos aos finais de semana.
Mas mesmo que soubesse fazer tudo isso de que me serviria neste momento de pandemia e isolamento social?
Recebi há pouco o meu segundo telefonema de aniversário (o primeiro foi feito por minha sobrinha Laura na noite de quinta-feira). Era minha filha Diana, que mora na Austrália. Disse a ela que ainda não era meu aniversário e ela retrucou que lá já era dia 13 de junho. Tive a alegria de conhecer seu namorado, que me convidou para ir visitá-los.
Ah, vontade não me falta ... 
Mas voltando aos 64 ... Qual é a sensação de chegar a essa idade? Tenho poucas certezas e definitivamente acho que não faço o gênero daquelas pessoas que sempre falam de tudo com ar sabichão. Pelo menos, nunca foi essa minha intenção.
Procuro ser uma pessoa melhor, mais generosa, menos preconceituosa, mais amorosa, mas confesso que, às vezes, não consigo. Tenho aversão total e irrestrita ao atual governo e não me conformo de ver uma pessoa tão despreparada (e má) no comando do meu país. Tento me convencer de que pouco posso fazer para evitar isso. É algo que está acima das minhas forças ou do meu controle. Confesso que nem tenho prazer em dizer para um bolsonarista arrependido (sim, eles existem): "Eu avisei". De que vai adiantar? Por conta do seu voto (ou de sua omissão), estamos vivendo esse inferno.
Mas, voltando aos 64 anos, não sou uma pessoa realizada, embora tenha muito orgulho de algumas das minhas realizações. Por exemplo, minhas filhas, lindas, livres, encantadoras, amorosas.
Eu me orgulho da minha profissão, do meu trabalho, mas sempre tenho a sensação de que poderia (e ainda posso) fazer mais. 
Tenho orgulho das árvores que plantei (ou melhor, mandei plantar) diante de nossa casa em Cáceres (e que estão enormes) e dos livros que escrevi. Nem todos foram do coração, mas de alguma forma tocaram meu coração ou me levaram a rever (pre) conceitos ou certezas inabaláveis. Gosto mesmo é de contar histórias.
Nos últimos anos, inventei de ser cantora - a realização de um sonho de infância. 
Sinto pressa porque o tempo está contra mim. Ao mesmo tempo, sei que já vivi bem mais do que boa parte da população brasileira. Penso nos meninos Miguel e João Pedro, que perderam tão cedo e de forma tão brutal o direito a envelhecerem ao lado de seus amigos e familiares. Por que?
Neste momento me vêm à memória tantas coisas maravilhosas que vivi: The Beatles, os festivais de música popular brasileira, a ascensão de artistas como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento, entre tantos outros que embalaram minha infância e juventude; o movimento de resistência à ditadura militar, a anistia, a volta do exílio de pessoas que nos enchiam de orgulho e esperança (como Brizola, Betinho),  o comício das Diretas já na Candelária, a chegada de novas tecnologias, como o computador, o telefone celular e a internet. 
Tudo isso era motivo de esperança de dias melhores, de um Brasil melhor, mais justo e menos desigual. Como isso aconteceria? 
Talvez eu não tenha feito o suficiente, talvez tudo não passasse de uma utopia.
Vim para Mato Grosso, casei, tive filhos, me descasei e tive que partir novamente. Sempre recomeçando. 
Não sei aonde esperava estar aos 64 anos. Mas, com certeza, não me imaginava sozinha, morando num apartamento em Cuiabá, longe dos amigos da infância e de boa parte da minha família. Ainda bem que amanhã receberei minha filha Marina, seu companheiro e Lola, a cadelinha que todos amamos. Pretendo fazer um bolo de chocolate (receita de minha irmã Jane) e estarei pronta para receber todos os votos de felicidade. Com o coração aberto e com saúde. Acho que é o meu maior desejo no momento. 
Quero viver para cantar (viva o Coro Experimental MT!), viajar, caminhar, nadar, fazer yôga, conhecer meus netos (sem pressão, Diana e Marina) e aprender de uma vez por todas que o amor não é algo que gasta se usar demais. Dizem que existe uma fonte transbordante e inesgotável de amor. Tomara!


Foto de Fred Gustavos, do show "Simples Assim", de 6 de março de 2020




4 comentários:

Clubedoalexa disse...

Lindo minha amiga. Você é um presente que a vida me deu. Obrigado por dividir um.pouco de você comigo e me deixar fazer isso também. Beijos

Martha disse...

Obrigada, Alexandre! Fiquei emocionada com suas palavras. Beijos

Unknown disse...

Adorei Martha! Lindo! Me identifiquei um pouco com os desejos de fazer muitas coisas, e com diz Adélia Prado: " Não tenho tempo algum, ser feliz me consome"! Bjs

Lu disse...

Adorei! Embora ainda falte mais de 10 anos pra mim, as referências q tínhamos em relação às pessoas acima dos 50 era outra. Não tenho nada contra o crochê, ou o cozinhar bem pras visitas, sendo mais nova ou qdo for mais velha, mas por enquanto, assim como vc, não me identifico com essas habilidades. Sobre o momento político, tão surreal, deixo para uma conversa por telefone.