domingo, 27 de março de 2011

Felicidade


 Hoje vou me meter num campo meio espinhoso: a filosofia. Ontem à noite, conversando com amigos sobre minha breve (porém intensa) convivência com o povo da floresta, a amiga questionou muito como essas pessoas que vivem na Reserva Extrativista Guariba-Roosevelt podem ser felizes vivendo em situações tão precárias (sem luz elétrica, água encanada, com tanto mosquito, etc).
No meu post anterior a educadora ambiental Maria Betânia Figueiredo mencionou a questão da "liberdade". Ela também destacou a união dessas comunidades.
É claro que eu teria dificuldade de me sentir feliz lá se fosse transposta da realidade à qual estou acostumada, mas anteontem, quando eu voltava do caixa eletrônico do Banco do Brasil, onde fiz vários pagamentos, juro, eu me senti tão miserável, tão triste. Tantas contas a pagar (licenciamento do carro, seguro obrigatório, energia elétrica, telefone, condomínio, etc) para manter o meu status, o meu conforto, que nada tem de excepcional.
Eu fui criada nesse contexto e sinto que não conquistei mais conforto ao longo da minha trajetória, apenas me esforço para manter esse conforto: uma boa moradia, alimentação, um carro velho (em bom estado). Ou seja, eu vivo bem, sei que tenho mais do que muitas pessoas, mas esse pensamento mais do que me confortar me faz sentir triste pelas pessoas que não têm esse mínimo de conforto.
Talvez esteja aí a chave do entendimento: preciso parar de julgar as coisas sob a minha ótica. O que me parece terrível, insuportável, talvez não seja para o outro.
Prosseguindo: há um mês, terminei a leitura de um livro muito interessante, que se chama "Um homem mau" (autoria de Wilson Britto, publicado pela Editora Entrelinhas de Mato Grosso). Ao longo de quase 300 páginas, o autor fala sobre a busca da "plena" liberdade, paz e felicidade. Eu me propus a reler o livro para fazer uma resenha mais abalizada, mas de qualquer maneira eu me toquei há pouco que o povo da floresta que conheci tem tudo a ver com os conceitos apresentados pelo narrador do livro. Eles parecem livres, vivem em paz - sem a ansiedade e a pressão do povo da cidade - e, aparentemente, felizes. A pressão do ter, saber, poder não parece ter muito efeito sobre eles e a conquista (comida, ferramentas de trabalho, saúde, etc) tem um sentido coletivo. Ou seja, eles se sentem amparados, protegidos pela comunidade.
É claro que deve existir indivíduos que não se satisfazem com aquela situação e vão em busca de outras realidades, mas no pouco tempo que estive lá conheci pessoas que saíram, foram buscar trabalho em outras cidades e retornaram para constituir família e lutar pela comunidade, como Raimundo Nonato Constâncio de Almeida, o presidente da Associação Agro-Extrativista Resex Guariba-Roosevelt (Amorá), que foi a pessoa com quem eu mais convivi, já que viajei ao lado dele no barco durante cinco horas (somando as viagens de ida e volta à Comunidade São Lourenço). Ele nasceu na beira do rio Guariba, saiu, trabalhou em Tangará da Serra, retornou, casa com a antiga namorada, tem cinco filhos com ela (um sexto a caminho) e mora numa casa com a família na mesma "colocação" em que moram seus pais, que infelizmente não tivemos tempo de conhecer (de acordo com Raimundo, seu pai faz a melhor farinha de puba do mundo).

Raimundo Nonato, eu e o Canoeiro (ao fundo)
A vida deles, ressalto, está longe de ser um mar de rosas e até alguns anos atrás os ribeirinhos sofreram grande pressão de pessoas que queriam invadir a área. Segundo Raimundo, foi o período mais difícil que viveram, de possibilidade de confronto iminente, mas isso já é outra história.



Um comentário:

Agimar Monteiro disse...

Pessoas maravilhosas com um coração divino, companhia agradável..