Augusto e Paulo: há dias quero escrever sobre essas duas
pessoas ligadas por laços de amizade singulares. Augusto é servidor público,
meu sobrinho e afilhado, e foi através dele que conheci Paulo, morador de rua.
Num final de tarde de domingo, durante minha última visita
a Brasília, meu sobrinho e eu saímos para molhar algumas das centenas de árvores
que recebem um tratamento especial de Augusto, um desses caras que parecem
personagem de ficção. Para ser mais exata, são 120 árvores plantadas por ele,
das mais diversas espécies, e cerca de 200 “adotadas”, ou seja, plantadas pelo
GDF (a administração de Brasília) ou outras pessoas, porém que correm o risco
de morrer por falta de cuidados básicos. Parece até mentira, mas há pessoas
como Augusto que dedicam parte de seu tempo de lazer a regar plantas e a
protegê-las de inimigos naturais como formigas, e outros nem tão naturais, como
roçadores de grama.
Nessa tarde, um de nossos objetivos era rever e regar o
flamboyant que Augusto plantou junto à L-2 (uma via de grande movimento na
capital federal), como meu presente de aniversário, em 2016, mais precisamente
no dia 31 de janeiro daquele ano.
Assim que chegamos ao local, Augusto viu Paulo em meio aos
carros num semáforo da L-2 e demonstrou sua alegria de revê-lo, já que o
morador de rua andava sumido e meu sobrinho associou sua ausência a uma doença
relatada em seu último encontro.
Enquanto Augusto molhava duas plantas no canteiro central,
Paulo foi se aproximando. Normalmente, a aproximação de um morador de rua me
assustaria. Ainda mais um cara grande e forte como ele, porém como Augusto
disse que o conhecia fiquei tranquila. O que aconteceu a seguir foi
aproximadamente meia hora de um papo delicioso. Como vi que Augusto estava sem
pressa, dei vazão à minha veia de repórter e fiz um monte de perguntas para
Paulo. Não anotei, nem gravei suas respostas, mas devia. Ele disse tanta coisa interessante!
Paulo Emílio tem 51 anos e não revelou o motivo de ter se
tornado um morador de rua, mas disse que pretende deixar essa vida. Aludiu
vagamente a ter se envolvido com coisas e/ou pessoas erradas. Ele veio de uma cidade
do interior de Minas Gerais (se não me engano), mas não pretende voltar para lá
e diz que não conta com sua família.
Paulo mostrou orgulhoso os novos dentes, resultado de um
implante realizado recentemente (o motivo de seu sumiço do semáforo da L-2) e
pago com dinheiro que ganhou na rua. Disse que agora vai juntar dinheiro para
pagar o tratamento de um câncer na próstata. Está na fila do SUS, mas sabe que
o atendimento público vai demorar e contou que anda bem incomodado com os
sintomas da doença.
A decisão de investir tanto em implantes dentários veio
depois de ter sua dentadura roubada. Ele disse para o meu sobrinho: “Tem
dinheiro seu na minha boca”, mas contou que boa parte do implante foi paga com
uma grana alta que ganhou num envelope de alguém que conheceu na rua, quando
pedia dinheiro para uma cerveja.
Paulo me mostrou em seu celular – também comprado com o
dinheiro ganho na rua - um vídeo de seus 15 minutos de fama. Nele, organiza o trânsito de motoristas e
pedestres exatamente nesse semáforo da L-2 num dia em que estava quebrado.
Além dessa história, contou sobre uma vez que quase foi
preso depois de espancar um cara que estava estuprando (ou tentando estuprar)
uma mulher perto da rodoviária. O sujeito estava bem vestido e acabou dizendo à
polícia que tinha sido vítima de assalto. A sorte de Paulo é que a vítima do
tal sujeito estava na delegacia dando queixa e inocentou seu defensor. Segundo
Paulo, o estuprador tinha ficha corrida com outras acusações de crimes
semelhantes, inclusive, contra uma criança.
Também comentou sobre pessoas que oferecem trabalho a
moradores de rua. Segundo ele, não raro surgem pessoas que procuram se
aproveitar da situação de vulnerabilidade do morador de rua, oferecendo gato
por lebre. Ele mesmo disse ter sido vítima de uma situação dessas há algum
tempo: aceitou um emprego de caseiro num sítio e, quando chegou lá, as
condições eram péssimas e o salário oferecido foi pro espaço.
Antes de se afastar (após ter recebido um agrado em
dinheiro do meu sobrinho), Paulo ainda filosofou sobre vida e morte, dizendo
acreditar que estamos no mundo em constante processo de aperfeiçoamento
pessoal.
Outro momento interessante foi quando ele perguntou a idade
de meu sobrinho, que tem 53 anos, e se admirou dele parecer mais jovem do que
ele.
Enfim, um sujeito interessante, bom de papo, que me autorizou a tirar e publicar sua foto ao lado do amigo de rua.
2 comentários:
Parabéns pela reportagem! É a vida é cheia de contraste, como você mesmo finalizou!
Que delícia de relato... e que bom que a vida nos surpreende com pessoas encantadoras em situações muitas vezes inusitadas ou improváveis.
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